Depois de ouvir ameaças dos EUA durante anos, o Irã está tomando
medidas que sugerem que considera fechar o Estreito de Ormuz e que tem
capacidade para fazê-lo. No dia 24 de dezembro, o Irã iniciou exercícios
navais (Operação Velayat-90) no e à volta do Estreito de Ormuz, do
Golfo Pérsico e Golfo de Omã (Mar de Omã), ao Golfo de Aden e Mar da
Arábia.
Desde o início daqueles exercícios, cresce a guerra de
palavras entre Washington e Teerã. Mas nada do que o governo Obama ou o
Pentágono disseram ou fizeram, até agora, dissuadiu Teerã de dar
prosseguimento aos seus exercícios navais.
A natureza geopolítica do Estreito de Ormuz
À parte ser ponto vital de trânsito para recursos energéticos globais
e gargalo estratégico, dois outros aspectos devem ser considerados se
se analisa o Estreito de Ormuz e a importância que tem para o Irã:
1) a própria geografia do Estreito; e
2) o papel do Irã na co-administração do estreito, nos termos da legislação internacional e das leis nacionais iranianas.
As embarcações de todos os tipos que passam pelo Estreito de Ormuz
sempre mantiveram contato com as forças navais iranianas – a Marinha
Regular Iraniana e a Marinha da Guarda Revolucionária do Irã. As forças
navais iranianas monitoram e policiam o Estreito de Ormuz, administração
compartilhada com o Sultanato de Omã, através de um enclave omanita que
há ali, Musandam. Mais importante que isso: para navegar através do
Estreito de Ormuz todo o tráfego marítimo, inclusive a Marinha dos EUA, é
obrigada a navegar por águas territoriais iranianas; para sair, em
muitos casos, cruzam-se águas territoriais de Omã.
O Irã sempre permitiu que embarcações estrangeiras amigas cruzem suas
águas territoriais, nos termos, também, da Parte III da Convenção da
ONU sobre Lei do Mar e de trânsito por mar, que estipula que as
embarcações são livres para navegar pelo Estreito de Ormuz e outros
corpos d’água semelhantes, em velocidade constante e sem se deterem, de
um porto aberto até águas internacionais. Embora as autoridades de Teerã
sigam as rotinas da Lei do Mar, Teerã não é legalmente obrigada a
segui-las. Como Washington, Teerã também assinou seu específico tratado
internacional e jamais o ratificou.
Tensões entre EUA e Irã no Golfo Pérsico
Atualmente, o Parlamento (Majlis) iraniano está
reexaminando o uso de águas iranianas no Estreito de Ormuz, por
embarcações estrangeiras. Há projetos de lei em exame, para bloquear o
trânsito de embarcações de guerra estrangeiras por águas
territoriais iranianas através do de Ormuz sem prévia permissão das
autoridades iranianas; a Comissão de Segurança Nacional e Política
Exterior do Parlamento do Irã está examinando projetos de lei que
manifestarão a posição oficial do Irã, orientada pelos interesses
estratégicos e da segurança nacional do Irã.
Dia 30/12/2011, o porta-aviões USS John C. Stennis passou pela área
na qual o Irã desenvolvia exercícios navais. O Comandante das Forças
Iranianas Regulares, major-general Ataollah Salehi, alertou o USS John
C. Stennis e outros navios dos EUA para que não voltassem ao Golfo
Pérsico, enquanto durassem as manobras navais do Irã; acrescentou que o
Irã não tem o hábito de dar o mesmo aviso duas vezes. Pouco depois do
duro aviso iraniano, o secretário de imprensa do Pentágono respondeu, em
declaração em que se lia: “Ninguém, nesse governo procura confrontação
com o Irã no Estreito de Hormuz. É importante baixar a temperatura”.
Num cenário real de conflito militar com o Irã, é bastante provável
que porta-aviões dos EUA tenham de realmente operar de fora do Golfo
Pérsico, do sul, do Golfo de Omã e do Mar da Arábia. A menos que já seja
operacional o sistema de mísseis que Washington está desenvolvendo nas
petromonarquias sul do Golfo Pérsico, deve-se contar com a proibição de
que grandes naves de guerra dos EUA cheguem ao Golfo Persa. Isso, por
causas associadas à geografia local e às capacidades de defesa do Irã.
A geografia contra o Pentágono: no Golfo Persa, a força naval dos EUA é limitada
As forças navais dos EUA – a Marinha e a Guarda Costeira dos EUA –
são as maiores do mundo. Nada se compara às capacidades dos EUA em águas
profundas e oceânicas. Mas ser a maior e a mais potente não implica que
seja invencível. No Golfo Persa e no Estreito de Ormuz, as forças
navais dos EUA são vulneráveis.
Apesar do poder e das muitas capacidades, a geografia trabalha
literalmente contra o poder naval dos EUA no Estreito de Ormuz e no
Golfo Pérsico. A região, pelo menos em contexto estratégico e militar, é
como um canal. Em termos figurativos, os porta-aviões e grandes navios
de guerra dos EUA ficam ali confinados, pode-se dizer, “presos”, nas
águas costeiras do Golfo Persa
É isso, precisamente, que amplia muito as já altas capacidades dos
mísseis iranianos. O arsenal de mísseis e torpedos do Irã tem potencial
para neutralizar as armas navais dos EUA em águas do Golfo. Por isso os
EUA tanto se empenham hoje para construir um “escudo” de mísseis no
Golfo Persa, associando nessa empreitada os países do Conselho de
Cooperação do Golfo, já há alguns anos.
Até os pequenos barcos-patrulha iranianos no Golfo Pérsico, que
parecem insignificantes e muito pequenos comparados a um porta-aviões ou
a um destroier gigantes, são ameaça considerável às naves de guerra dos
EUA, naquele cenário. Os barcos-patrulha podem disparar uma barreira de
mísseis que, sim, podem danificar muito e, mesmo, destruir grandes
navios de guerra. Além disso, os barcos-patrulha iranianos são quase
indetectáveis e são alvos difíceis, porque são pequenos e rápidos.
As forças iranianas também podem minar as capacidades navais dos EUA
no Golfo com mísseis lançados de terra, do interior do país, nas áreas
próximas do norte do Golfo Pérsico. Já em 2008 o Washington Institute
for Near East Policy reconheceu a ameaça, para forças navais dos EUA no
Golfo, das baterias de mísseis costeiros, dos mísseis terra-mar e dos
pequenos barcos armados com mísseis. A Marinha do Irã também conta com
drones, veículos anfíbios, minas, equipes de mergulhadores e
mini-submarinos, que serão mobilizados em qualquer guerra naval
assimétrica contra a 5ª Frota dos EUA.
O próprio Pentágono já comprovou, em simulações, que uma guerra no
Golfo Pérsico seria desastrosa para os EUA. Exemplo disso é a operação
Millennium Challenge 2002, simulação de guerra no Golfo Persa, feita
entre julho e agosto de 2002, cuja preparação consumiu quase dois anos.
Essa manobra naval gigante foi das maiores e mais caras jamais
organizadas pelo Pentágono. A Millennium Challenge 2002 foi criada pouco
depois de o Pentágono decidir que poderia fazer avançar a guerra no
Afeganistão, se atacasse Iraque, Somália, Sudão, Líbia, Líbano e Síria,
recolhendo ao final, como grande prêmio, o Irã – numa ampla campanha
militar que daria aos EUA a primazia no milênio que se iniciava.
Depois de terminada a operação Millennium Challenge 2002, a operação
foi oficialmente apresentada como simulação de guerra contra o Iraque de
Saddam Hussein. De fato, sempre se tratou do Irã. Os EUA já tinham as
avaliações necessárias para a invasão do Iraque, por EUA e Grã-Bretanha,
que aconteceria pouco depois. E, detalhe importante, o Iraque jamais
teve força naval que exigisse empenho total da Marinha dos EUA.
A Operação Millennium Challenge 2002 foi, sim, simulação de guerra
contra o Irã. Só ele tem todas as características de território e forças
militares apresentadas como de “Red” – dos botes-patrulha armados com
mísseis até as unidades de motociclistas. Aquela simulação monstro foi
feita porque Washington planejava atacar o Irã imediatamente depois de
invadir o Iraque em 2003.
Não há qualquer dúvida entre os especialistas de que o formidável
poder naval dos EUA resulta muito reduzido, pela geografia e pelas
capacidades militares nos iranianos, no caso de combate no Golfo Pérsico
e, de fato, em grandes partes também do Golfo de Omã. Longe de águas
abertas, como no Oceano Índico ou no Oceano Pacífico, os EUA teriam de
combater sob condições extremas, sem a garantia de suficiente tempo de
resposta e, mais importante, ficarão impedidos de combater de distância
(considerada militarmente) segura. Setores inteiros das defesas navais
dos EUA, concebidos para combates navais em águas abertas e grandes
distâncias entre os combatentes, são absolutamente imprestáveis, nas
condições de combate no Golfo Pérsico.
Reduzir a importância do Estreito de Ormuz, para enfraquecer o Irã?
O mundo inteiro sabe da importância do Estreito de Ormuz. E
Washington e seus aliados sabem perfeitamente que os iranianos podem
fechar militarmente o estreito por período significativo de tempo. Essa é
a razão pela qual os EUA estão trabalhando com países do Conselho de
Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Qatar, Bahrain, Kuwait, Omã e
Emirados Árabes Unidos – para alterar o trajeto de oleodutos que evitem o
Estreito de Ormuz e levem o petróleo do CCG diretamente ao Oceano
Índico, Mar Vermelho e Mar Mediterrâneo. Washington também tem
pressionado o Iraque para que busque vias alternativas em conversações
com a Turquia, a Jordânia e a Arábia Saudita.
Esse projeto estratégico interessa muito também a Israel e à Turquia.
Ancara tem mantido discussões com o Qatar sobre a instalação de um
oleoduto que chegaria à Turquia através do Iraque. O governo turco
tentou que o Iraque se interessasse por ligar os campos de petróleo do
sul e do norte a rotas de trânsito que atravessariam a Turquia. É o
projeto dos turcos, que se veem no futuro como corredor e importante elo
de trânsito e ligação de energia.
Se o petróleo puder ser “desviado”, de modo a não ter de passar pelo
Golfo Pérsico, ter-se-á removido importante elemento de vantagem
estratégica a favor do Irã e contra Washington e seus aliados
(removendo-se, ao mesmo tempo, parte considerável da importância do
Estreito de Ormuz. Esse “desvio” do petróleo pode bem ser considerado
exigência importante, em qualquer preparação dos EUA para guerra contra o
Irã. Sem isso, pode-se dizer que os EUA não farão guerra ao Irã.
Nesse contexto inscrevem-se os oleodutos Abu Dhabi Crude Oil Pipeline
ou Hashan-Fujairah Oil Pipeline, projeto patrocinado pelos Emirados
Árabes Unidos e que dispensaria rota marítima pelo Golfo Pérsico e o
Estreito de Ormuz. O projeto foi concluído em 2006, o contrato assinado
em 2007 e a construção começou em 2008. Esse oleoduto liga diretamente
Abdu Dhabi ao porto de Fujairah no litoral do Golfo de Omã, no Mar da
Arábia. Em outras palavras, levará o petróleo exportado pelos Emirados
Árabes Unidos diretamente ao Oceano Índico. Foi apresentado oficialmente
como meio para garantir segurança energética, evitando Hormuz (e
tentando evitar também o exército iraniano). Além do oleoduto, o projeto
prevê também a construção de um reservatório para armazenamento de
petróleo em Fujairah – que está previsto para manter o fluxo de petróleo
para o mercado internacional, no caso de o Golfo Pérsico ser fechado.
Além do oleoduto Petroline (oleoduto saudita, leste-oeste), a Arábia
Saudita também procura rotas alternativas, examinando portos vizinhos na
costa sul, na Península Arábica, em Omã e no Iêmen. O porto de Mukalla,
no Iêmen, no litoral do Golfo de Aden tem atraído especial atenção de
Riad. Em 2007, fontes israelenses informaram com algum alarde que
começava a ser projetado um oleoduto que ligaria os campos de petróleo
sauditas aos portos de Fujairah nos Emirados Árabes, Muscat em Omã e
Mukalla no Iêmen. A reabertura do Oleoduto Iraque-Arábia Saudita– o
qual, por ironia, foi construído por Saddam Hussein, que tentava escapar
também do Estreito de Ormuz e do Irã – também foi discutida entre
sauditas e governo do Iraque em Bagdá.
Se Síria e Líbano fossem convertidos em estados-clientes de
Washington, seria possível ressuscitar o falecido oleoduto Trans-Arabian
(Tapline), além de outras rotas que vão da Península Arábica à costa do
Mediterrâneo pelo Levante. Cronologicamente, esse projeto explica os
esforços de Washington para derrubar os governos de Síria e Líbano,
tentando isolar o Irã, antes de os EUA atacarem diretamente Teerã.
Os exercícios navais da Marinha do Irã, Operação Velayat-90, que se
realizaram em área bem próxima da entrada do Mar Vermelho no Golfo de
Aden, fora de águas territoriais do Iêmen, também se estenderam pela
parte do Golfo de Omã frente ao litoral de Omã e litoral leste dos
Emirados Árabes Unidos. Dentre outras coisas, a operação Velayat-90 deve
ser interpretada como sinal de que Teerã está preparada para operar
também fora do Golfo Pérsico; e que pode bombardear ou bloquear também
os oleodutos que tentam ‘desviar’ do Estreito de Ormuz.
Também nesse caso, a geografia joga a favor do Irã. As rotas ditas
“alternativas”, porque evitam o Estreito de Ormuz, nem por isso alteram o
fato de que a maioria dos campos de petróleo dos países que integram o
Conselho de Cooperação do Golfo localiza-se no Golfo Pérsico ou em áreas
próximas do litoral – o que implica que são alcançáveis pelos mísseis
de longa distância dos iranianos. Como no caso do oleoduto
Hashan-Fujairah, os iranianos podem facilmente interromper o fluxo de
petróleo, pode-se dizer, na origem. Teerã sem dúvida deslocaria forças
de terra, mar e ar, além dos mísseis, e forças anfíbias para todas essas
áreas. De fato, o Irã nem precisa fechar o Estreito de Ormuz; os
iranianos, de fato, têm ameaçado bloquear o fluxo de petróleo (o que não
precisa ser feito, necessariamente, com bloqueio do Estreito de Ormuz).
Aos EUA só restou Guerra Fria, na disputa contra o Irã
Washington está em ofensiva contra o Irã, usando todos os meios ao
seu alcance. As tensões em torno do Estreito de Ormuz e do Golfo Pérsico
são apenas um dos fronts de uma muito perigosa guerra fria regional, de
muitos fronts no Oriente Médio expandido, entre Teerã e Washington.
Desde 2001, o Pentágono está em processo de reestruturação para “guerras
não convencionais”, pensando em inimigos como o Irã. Mas a geografia
sempre operou contra o Pentágono e os EUA – e é o que explica que ainda
não tenham encontrado solução para o dilema naval, no Golfo Pérsico. Sem
poder recorrer à guerra convencional, os EUA tiveram de recorrer, no
caso do Irã, à guerra de espionagem, guerra econômica e guerra
diplomática.
Fonte:http://correiodobrasil.com.br/a-batalha-pelo-estreito-de-ormuz-se-faz-cada-vez-mais-iminente/355297/
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