O furacão Sandy foi o maior já observado no Oceano Atlântico. A repórter
Sônia Bridi explica como essa supertempestade se formou.
Principais cidades do mundo podem alagar até o século XXIV
Para
os cientistas, o furacão foi intensificado porque a água do Atlântico
Norte está sofrendo um aquecimento anormal. Segundo o que o
meteorologista Thomas Knutson, do governo dos Estados Unidos, disse esta
semana ao jornal The New York Times, a água está três graus mais
quente.
A água mais quente evapora mais e quanto maior for a
evaporação, mais força terá o furacão. Por isso os cientistas acreditam
que, daqui para frente, essas tempestades vão ficar mais fortes.
Além
disso, a água quente ocupa mais espaço do que a água fria e isso também
faz subir o nível dos oceanos- o que no caso do furacão Sandy agravou
os alagamentos. O nível da água também está subindo por outra razão, o
aquecimento da atmosfera está provocando o descongelamento do gelo nas
calotas polares.
Antártica, o maior reservatório de água doce do
planeta, está derretendo. Trilhões de litros de água escorrem para o
mar, subindo o nível dos oceanos.
Já aconteceu no passado. E está acontecendo de novo.
O
cientista que dirige a unidade de pesquisa do clima da Nasa alerta: não
é mais uma questão de saber se os oceanos vão subir, mas em que
velocidade isso vai acontecer.
Como a humanidade vai enfrentar a
água, metro a metro, avançando e inundando nossas maiores cidades?
Imensos diques ao longo da costa. Cidades flutuantes. Represas ligando
continentes. Como seria a vida na Terra alagada?
A projeção é do pesquisador Peter Ward, da Universidade de Washington, e é polêmica.
Século XXIV. Os oceanos subiriam 35 metros. Cidades como Nova York e Rio de Janeiro estariam sob a água.
O que aconteceu com o planeta? A resposta está no Pólo Sul.
A
Antártica é coberta por um manto de gelo que pode passar de cinco
quilômetros de espessura. Ao contrário da calota polar no Ártico, que é
água do mar congelada, lá a cobertura é de água doce, que ao derreter
faz subir o nível dos oceanos. 90% do gelo da Terra está lá. Se tudo
derretesse, seria o suficiente para fazer o nível do mar subir
assustadores 70 metros.
“E é esse gelo que se derretesse - e nós
estamos observando algum derretimento - vai para o oceano e aumenta o
nível do mar”, explica Jefferson Simões, coordenador de projetos do
Programa Antártico Brasileiro.
Só que o fenômeno que vivemos é
em escala muito menor. “O que se sabe hoje é que menos de 1% desse gelo
está derretendo no momento. Só que 1% de setenta metros são 70
centímetros. E se derreter 10% desse gelo - algo que poderia ocorrer em
500 anos - o nível do mar aumentaria em sete metros”, explica Jefferson.
Muito menos do que os 70 previstos por Peter Ward, que mudariam
drasticamente o mapa dos continentes e a cara das cidades construídas
pela nossa civilização.
Londres, a capital da Alemanha, Berlim, e a bela Paris.
Mas qual é a real possibilidade desse futuro acontecer? E o que a humanidade pode fazer desde já para escapar dessa catástrofe?
Ao
sul de Miami, pertinho da costa, Peter Ward mostra, numa pedreira
abandonada, um coral fossilizado. É a prova de que o nível do mar já
esteve pelo menos três metros acima do ponto.
Há 70 mil anos,
começou a era do gelo mais recente. Conforme as geleiras se expandiram, a
parte de terra do planeta também aumentou porque o mar ficou mais
baixo. Aí as temperaturas subiram de novo, o gelo encolheu, o mar voltou
a subir e acabou se acomodando nos níveis de hoje.
Mas a
temperatura do planeta está aumentando de novo, desta vez por causa dos
combustíveis fósseis que queimamos para produzir energia e rodar os
automóveis.
Stefan Rahmstorf, professor da Universidade de
Potsdam, na Alemanha, diz que atingimos a maior concentração de gás
carbônico na atmosfera em um milhão de anos. Só neste século o planeta
vai ficar de 3 a 5 graus mais quente. E quando a temperatura do planeta
sobe, o nível do mar sobe junto.
Miami, na Flórida, é uma cidade
em perigo. Por ser muito baixa, com a água subindo apenas 30
centímetros, a cidade estaria exposta a alagamentos na maré alta. Meio
metro, e muitas ruas estariam permanentemente alagadas. 90 centímetros, e
a cidade seria arruinada por furacões, muito comuns na região, porque
os ventos levariam a água para dentro da cidade.
Casas que hoje
valem milhões, seriam reduzidas a ruínas. Em 2100, com o mar quase dois
metros mais alto, Miami estaria inundada.
O mesmo aconteceria
nas cidades litorâneas do Brasil. As partes mais baixas, que geralmente
concentram os imóveis mais caros, a infraestrutura, o comércio e os
negócios seriam incorporadas pelo mar.
40% da população
brasileira vivem no litoral. Do norte, em Belém, a Florianópolis, no
sul, que fica numa ilha. Passando por Salvador, a bela Recife, assentada
entre os rios. A maioria das nossas grandes cidades é vulnerável ao
aumento do nível dos oceanos.
Com apenas um metro a mais, a
maioria dos portos do planeta teria de ser substituída. Bilhões em
infraestrutura, literalmente, por água abaixo.
Com um metro e
vinte, teríamos problemas de energia, já que muitas usinas, construídas
ao longo da costa, ficariam inundadas. Um metro e meio, e boa parte das
fontes de água doce estariam contaminadas com água salgada. A um metro e
oitenta, regiões inteiras teriam de ser evacuadas - espalhando
refugiados do clima pelo mundo todo.
Pesquisadores e engenheiros
já trabalham em formas de proteger as cidades contra o avanço do mar.
Barreiras, diques e represas que estarão entre as maiores obras já
realizadas pelo homem. Os custos seriam enormes.
Nos Estados
Unidos, na cidade de Nova Orleans, o batalhão de engenharia do exército
constrói diques mais altos e mais fortes do que os que se romperam
durante o furacão Katrina, que quase destruiu a cidade, em 2005.
Os
novos diques, com a tecnologia que segura a água e permite a passagem
de navios, custarão 15 bilhões de dólares. Mas não servirão para nada se
o mar subir mais do que o previsto pelos cientistas da ONU.
Nem todos os países podem pagar bilhões de dólares para evitar o estrago.
Bangladesh,
150 milhões de habitantes. O país fica quase todo ao nível do mar. E se
ele subir apenas um metro, metade de toda a área plantada será
destruída pela água salgada. Empurrando milhões de refugiados em busca
de novas terras no continente mais densamente povoado do planeta.
Segundo a previsão catastrófica do professor Ward, o grande problema será a velocidade da elevação da água.
Pistas
para prever o futuro do nível do mar podem ser encontradas no passado
nos rastros deixados pela última Era Glacial. Quando a temperatura do
planeta aumentou, os pólos derreteram. No início, o nível do mar subiu
lentamente, mas depois a velocidade cresceu até atingir 150 metros de
altura. Se essa velocidade se repetisse, até o final do século, o mar
estará mais de cinco metros acima do que está hoje.
Mas o painel
de cientistas da ONU que trata das questões de mudanças climáticas
considera esses números exagerados. Segundo eles, neste século o nível
dos oceanos deve subir entre 20 e 60 centímetros. Se a pior das
previsões se confirmar, não passa de um metro e vinte. Por quê?
“A
grande diferença, e isso talvez para os brasileiros é mais difícil
entender, é que no planeta Terra nós temos gelo frio e gelo quente”,
afirma Jefferson.
Gelo que está perto de zero grau, como nas
montanhas tropicais, e mesmo no mar gelado do Ártico, derrete fácil. Mas
na Antártica a situação é diferente.
“O gelo do interior da
Antártica está a menos 50 graus. Você não pode nem botar a mão nele que
vai queimar a sua mão. E tem lugares que está menos 60 graus. Não vai
ser um aquecimento de alguns graus que vai derreter esse gelo”, ressalta
o especialista.
Mas se acontecer? Será possível impedir que o nível suba num mar inteiro? Como o Mediterrâneo, berço da civilização ocidental?
Por
sorte, ele tem uma característica única: o Estreito de Gibraltar. Menos
de 15 quilômetros de água separam a Europa da África. Um imenso dique
pode isolar totalmente o Mediterrâneo do Atlântico.
Uma super-represa de 400 metros de altura. A maior estrutura jamais construída pelo homem.
Uma obra de custos estratosféricos: 550 bilhões de reais. Mas barata se comparada com os prejuízos que as inundações trariam.
Isso
serviria para os países do Mediterrâneo, mas não para toda a Europa. Um
dos países que sofreria com o aumento do mar é a Holanda - que já tem
uma grande porção do seu território abaixo do nível do mar. A construção
de diques e represas é tradição e questão de sobrevivência para este
povo.
Em 1953, diques arrebentaram, o mar avançou, enormes
porções de terra foram destruídas e mais de duas mil pessoas morreram
afogadas.
Agora, a Holanda é uma fortaleza contra inundações.
Imensas barreiras estão sempre prontas para serem fechadas no caso de
uma tempestade.
Mas se o mar subir mais rápido do que atualmente, pode ser impossível construir essas estruturas a tempo.
A superrepresa de Gibraltar não poderia também salvar a cidade de Londres.
Às
margens do Rio Tâmisa, a capital britânica já é protegida por
comportas, que se fecham quando o nível do mar sobe. Mas se o Oceano
Atlântico subisse mais de 15 metros, não haveria como isolar a cidade. E
não só Londres, muito do território inglês seria simplesmente engolido
pelo mar.
No pior cenário, com a Antártica toda derretendo, a Europa e a América do Norte ficariam pouco comprometidas.
E
já há quem planeje como salvar Nova York. A ilha de Manhattan está
entre dois rios que sofrem ação das marés. A cidade está diretamente
exposta ao Atlântico Norte. E, portanto, vulnerável ao aumento do nível
do mar e às tempestades, que fazem essa água subir.
A inundação da infraestrutura subterrânea seria o primeiro sinal, de uma cadeia de eventos catastróficos.
Com
um metro e meio, toda a parte sul da ilha estaria inundada. Quinze
metros e a água estaria em Times Square, coração da Broadway. Se todo o
gelo do mundo derretesse, a cidade inteira deixaria de existir.
Uma
pista da Ponte de Manhattan está pouco abaixo dos setenta metros e
ficaria coberta pela água. Nesse cenário, toda a ilha de Manhattan
desapareceria e sobraria muito pouco de toda a cidade de Nova York. A
possibilidade de que isso aconteça neste milênio é praticamente nula.
Mesmo assim já tem gente imaginando: como transformar a metrópole que
inventou a cultura urbana dos arranha-céus numa cidade flutuante?
A
ideia para salvar Nova York vem do povo que fundou a cidade: os
holandeses. Lá já existem comunidades inteiras que vivem em casas
flutuantes.
O arquiteto Koen Olthuis, conta que já é possível
construir grandes estruturas, com conjuntos de apartamentos e até ruas
com carros.
A beleza das cidades flutuantes, diz Koen Olthuis, é
que elas não precisam de diques ou barreiras contra a natureza. Elas se
adaptam à natureza. Sobem e descem com a água.
Olthuis já fez
um projeto de proteção de Nova York que mistura enormes muros de
contenção para proteger a cidade atual e mais alguns bairros novos que
vão flutuar ao redor dela.
Para Peter Ward, não importa muito
qual dos projetos vai ser usado para proteger as nossas cidades. O
importante é que exista uma união de todos os países.
Nós, como
moradores de um mesmo planeta, diz ele, vamos ter que trabalhar juntos. A
humanidade vai precisar de toda a sua engenhosidade para viver numa
terra alagada.
Fonte de: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1681973-15605,00-PRINCIPAIS+CIDADES+DO+MUNDO+PODEM+ALAGAR+ATE+O+SECULO+XXIV.html