Se existe um Deus que criou todo o universo e todas as leis
da Física, Deus segue as suas próprias leis? Ou pode Deus substituir as
suas leis, como viajar mais rápido do que a velocidade da luz e, assim,
ser capaz de estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo?
Poderia a resposta ajudar-nos a provar se Deus existe ou não, ou é
aqui que o empirismo científico e a fé religiosa se cruzam, sem nenhuma
resposta verdadeira?
Se Deus não fosse capaz de quebrar as leis da Física, provavelmente
não seria tão poderoso quanto se espera que um ser supremo seja. Mas se
pudesse quebrá-las, então por que não vimos nenhuma evidência de que tal tenha acontecido no universo?
Para perceber a questão, vamos desconstruí-la um pouco. Primeiro,
Deus pode viajar mais rápido que a luz? Vamos apenas considerar a
questão pelo valor. A luz viaja a uma velocidade aproximada de 3 x 105 quilómetros por segundo. Aprendemos na escola que nada pode viajar mais rápido do que a velocidade da luz – nem mesmo a USS Enterprise em Star Trek, quando os seus cristais de dilítio estão no máximo.
Mas é verdade? Há alguns anos, um grupo de físicos postulou que as partículas chamadas ‘taquiões’ viajavam acima da velocidade da luz.
Felizmente, a sua existência como partículas reais é considerada
altamente improvável. Se existissem, teriam uma massa imaginária e o
tecido do espaço-tempo seria distorcido.
Até agora, ainda não foi observado nenhum objeto que possa viajar
mais rápido do que a velocidade da luz, mas isso em si não diz
absolutamente nada sobre Deus. Apenas reforça o conhecimento de que a
luz viaja muito rápido.
As coisas ficam um pouco mais interessantes quando se considera a
distância que a luz viajou desde o início. Assumindo uma cosmologia
tradicional do big bang e uma velocidade da luz de 3 x 105 km/s, então podemos calcular que a luz viajou cerca de 1024 km nos 13,8 mil milhões de anos de existência do universo. Ou melhor, a existência do universo observável.
O universo está a expandir-se a uma taxa de aproximadamente 70 km/s
por Mpc (1 Mpc = 1 Megaparsec ~ 30 milhões de km), então as estimativas
atuais sugerem que a distância até à borda do universo é de 46 mil
milhões de anos-luz.
Conforme o tempo passa, o volume do espaço aumenta e a luz tem que viajar durante mais tempo para chegar até nós.
Não podemos observar ou ver através de todo o universo que cresceu desde o big bang
porque não passou tempo suficiente para que a luz das primeiras frações
de segundo nos alcançasse. Alguns argumentam que, portanto, não podemos ter a certeza
se as leis da Física poderiam ser violadas noutras regiões cósmicas –
talvez sejam apenas leis locais acidentais. E isso leva-nos a algo ainda
maior do que o universo.
O multiverso
Muitos cosmologistas acreditam que o universo pode ser parte de um cosmos mais extenso, um multiverso,
onde muitos universos diferentes coexistem, mas não interagem. A ideia
do multiverso é apoiada pela teoria da inflação – a ideia de que o
universo se expandiu enormemente antes de ter 10-32 segundos. A inflação
é uma teoria importante porque pode explicar porque é que o universo
tem a forma e a estrutura que vemos ao nosso redor.
Mas se a inflação pode acontecer uma vez, porque é que não pode acontecer várias?
Sabemos através de experiências que as flutuações quânticas podem dar
origem a pares de partículas que passam a existir repentinamente, para
desaparecer momentos depois.
E se essas flutuações podem produzir partículas, por que não átomos
ou universos inteiros? Foi sugerido que, durante o período de inflação
caótica, nem tudo estava a acontecer ao mesmo ritmo – flutuações
quânticas na expansão poderiam ter produzido bolhas que explodiram para
se tornarem universos por si mesmas.
Mas como é que Deus se encaixa no multiverso? Uma dor de cabeça para os cosmologistas é o facto de que o nosso universo parece ajustado para a existência de vida.
As partículas fundamentais criadas no big bang tinham as
propriedades corretas para permitir a formação de hidrogénio e deutério –
substâncias que produziram as primeiras estrelas.
As leis físicas que regem as reações nucleares nessas estrelas
produziram as coisas de que a vida é feita – carbono, azoto e oxigénio.
Então, como é que todas as leis e parâmetros físicos do universo têm os
valores que permitem que estrelas, planetas e, por fim, a vida se
desenvolvam?
Alguns argumentam que é apenas uma coincidência.
Outros dizem que não devemos surpreender-nos. Alguns teístas, no
entanto, argumentam que aponta para a existência de um Deus a criar
condições favoráveis.
Mas Deus não é uma explicação científica válida. A
teoria do multiverso, em vez disso, resolve o mistério porque permite
que diferentes universos tenham diferentes leis físicas. Portanto, não é
surpreendente que estejamos num dos poucos universos que poderiam
sustentar vida. Mas, claro, não podemos refutar a ideia de que um Deus
pode ter criado o multiverso.
Estranheza quântica
Agora vamos considerar se Deus pode estar em mais de um lugar ao
mesmo tempo. Muito da ciência e da tecnologia que usamos na ciência
espacial é baseada na teoria contra-intuitiva do minúsculo mundo de
átomos e partículas conhecido como mecânica quântica.
A teoria permite algo chamado entrelaçamento quântico:
partículas assustadoramente conectadas. Se duas partículas estão
emaranhadas, manipulamos automaticamente o seu parceiro ao manipulá-la,
mesmo se elas estiverem muito distantes e sem interagir.
Esta transferência de informações quânticas aparentemente acontece
mais rápido do que a velocidade da luz. Dado que o próprio Einstein
descreveu o entrelaçamento quântico como “ação fantasmagórica à
distância”, acho que todos nós podemos ser perdoados por achar esse
efeito um tanto bizarro.
Afinal, há algo mais rápido do que a velocidade da luz: informação quântica.
Isto não prova ou desmente Deus, mas pode ajudar-nos a pensar em Deus
em termos físicos – talvez como uma chuva de partículas emaranhadas,
transferindo informações quânticas para a frente e para trás, e, assim,
ocupando muitos lugares ao mesmo tempo? Até muitos universos ao mesmo
tempo?
Dificilmente esta reflexão oferece uma resposta relativamente à existência de Deus.
Se acredita em Deus, então a ideia de Deus ser limitado pelas leis da
Física é um absurdo, porque Deus pode fazer tudo, até mesmo viajar mais
rápido do que a luz.
Se não acredita em Deus, a pergunta é igualmente absurda, porque não
existe um Deus e nada pode viajar mais rápido do que a luz. Talvez a
questão seja realmente apenas para agnósticos, que não sabem (nem querem
saber) se existe um Deus.
https://zap.aeiou.pt/podem-leis-fisica-refutar-deus-382507