O Joker do baralho, no final de 2016, foi Donald Trump. A sua eleição é o
fator que vai condicionar todo o ano de 2017. A forma como vai fazer o
seu ano de mandato é ainda uma incógnita. Mas a avaliar pelas suas
palavras e pela equipa que escolheu para a Casa Branca, 2017 vai ser
mesmo o ano de todas as incertezas.
Eleições, Brexit e Rússia
A tômbola que pode fazer implodir a UE
Holanda, França e Alemanha vão a votos no que podem ser mais pregos
para a urna da União Europeia. Tudo isso no ano em que se começam a
definir os contornos da saída do Reino Unido da UE. Um processo que
todos preveem que será duro. Bruxelas quererá enviar um sinal a todos os
países que podem ambicionar desconectar da União e Londres vai
retaliar, como já está a fazer, sobre os trabalhadores dos
Estados-membros que vivem no Reino Unido. Do ponto de vista eleitoral,
os perigos mais imediatos para a manutenção da União Europeia vêm da
França: já em abril se saberá se Marine Le Pen ganha as presidenciais.
No caso de uma vitória da candidata da extrema-direita, será muito
complicada a sobrevivência da Europa como a conhecemos. Isto tudo num
cenário em que entra o rumo novo que os EUA vão dar à sua política no
continente europeu. A primeira pedra de toque vão ser as relações com a
Rússia, se o novo Presidente acaba com as sanções a Moscovo e aceita a
anexação da Crimeia. Isto agravado com o anunciado desinvestimento na
NATO, pode levar os países do leste da Europa a reequacionarem a sua
política e arranjarem acordos com o Kremlin que garantam a sua
independência, mais mitigada, perante o império russo.
Ambiente
O Planeta Trump é mais quente!
Os Acordos de Paris podem ser uma das primeiras vítimas da
presidência Donald Trump. A Administração escolhida – desde as pastas do
Ambiente, Energia e até o secretário de Estado – demonstra que há uma
vontade política de acabar com as medidas de combate ao aquecimento
global. Este Executivo de Trump tem uma firme ligação aos negócios das
energias fósseis e aparentemente pretende atuar em áreas em que existem
conflitos de interesses privados dos seus governantes. Já na campanha
eleitoral, o milionário tinha declarado que o aquecimento global não
existia e não passava de de uma invenção chinesa para colocar em causa
a economia dos EUA. A sua equipa afina toda pelo mesmo diapasão:
«O [aquecimento global] é inverificável na natureza e não é
objetivamente medido»,garante Scott Pruitt, o homem que o Presidente
escolheu para a Agência de Proteção Ambiental, cuja principal missão é
combater o aquecimento global. «Uma teoria científica ainda não
provada», declara o seu secretário da Energia, Rick Perry. Sobre o
consenso científico acerca desta bomba relógio ecológica, um dos
responsáveis da equipa de transição do novo Presidente não podia ser
mais claro: «Já houve um consenso científico dominante que garantia que a
Terra era plana», ironizou este responsável. A comparação feita entre
os padres medievais e os cientistas não pode ignorar as diferenças
substanciais: os cientistas foram queimados na fogueira por dizer que a
Terra não era plana. A verdade é que este consenso científico é grande e
já tem anos: quando a revista Science , em 2004, verificou os 928
principais artigos científicos publicados sobre o clima: não encontrou
um que não admitisse o aquecimento global. Provavelmente o único
elemento da Administração que sabe bem do fenómeno é o secretário de
Estado, Rex Tillerson, ex-CEO da ExxonMobil. Há muito que os 18.000
cientistas da empresa trabalham sobre cenários que preveem o aquecimento
global. Os primeiros estudos sobre esta evolução, feitos por empregados
da empresa, datam da década de 70. Mas como dizia Keynes: «A longo
prazo estamos todos mortos» e os dividendos pagam-se anualmente.
Médio oriente
Alguns rastilhos para uma bomba gigante
A eleição de Donald Trump marcou o final do ano e vai ser um
elemento, pelo menos, decisivo nos próximos anos. As afirmações de que
Putin é o grande triunfador de 2016, devido também a ter contribuído
para a grande mudança nos EUA, são duvidosas. Vladimir Putin pode ter
feito o que podia para isso – com alguma ironia, até porque os
norte-americanos passaram a vida a intrometer-se nas eleições em outros
países –, mas ele nunca conseguirá prever os resultados do seu gesto. Se
na Europa a contabilidade pode vir a ser favorável ao Kremlin, há
outras regiões em que o resultado final pode ser mais incontrolável. No
Médio Oriente, Trump poderá apoiar os esforços para consolidar Bashar
al-Assada, mas há outros intervenientes na região que podem rebentar
tudo. Trump pretende dar carta branca a Israel, isso significa esmagar a
Palestina, mas também poder bombardear as instalações nucleares
iranianas. Acontece que Teerão é o maior e mais poderoso aliado do
Kremlin na região. Vai ser difícil Moscovo não ter conflitos com
Washington nessa matéria.
Questão nodal
Conflito entre China e EUA
Outro dos pontos que pode fazer o mundo voltar a uma dinâmica de
conflito é a vontade de Donald Trump eleger a China como adversário
principal. O fazer depender o reconhecimento internacional que só há uma
China da possibilidade de Pequim alterar a sua política económica para
favorecer os interesses dos EUA é uma guerra com fim difícil de prever.
Os EUA são a maior potência militar do planeta, mas tanto a China como a
Rússia têm a capacidade de destruir muitas vezes a Terra. Um conflito
militar é uma guerra sem vitória para ninguém. Por um lado, um conflito
económico pode não ser tão fácil de vencer por parte dos EUA. A política
como a economia têm o horror ao vácuo. O abandono da Europa por parte
de Washington pode levar a um maior investimento de Pequim nos países do
velho continente, algo que já acontece em Portugal. Por outro lado, o
quase monopólio do dólar como moeda de transações internacionais e
reserva de valor está neste momento a ser colocado em causa pelos
chineses, que não só têm em títulos grande parte da dívida
norte-americana, como estão a apoiar países africanos com muito dinheiro
e investimentos, e estão a fazê-lo na sua própria moeda. A partir do
momento que muitos países do mundo aceitem isso, a moeda chinesa, yuan
renminbi, torna-se reserva de valor de facto e concorrente ao dólar.
Efemérides
Revoluções e aparições para mostrar como é
«A revolução vai estar no ar em 2017. Não é só o centenário da tomada
de poder dos bolcheviques na Rússia, é também os 150 anos da publicação
do primeiro volume do Capital de Karl Marx, os 50 da morte de Che
Guevara (...) Mas também os 500 anos da data em que Lutero afixou as
suas 95 teses», escreve o editor da Economist. A isto tem de se
acrescentar os 100 anos das aparições de Fátima. 2017 é um ano de
incertezas em que tudo é possível, mesmo do ponto de vista da sua
genealogia.
Fonte: http://sol.sapo.pt/artigo/540801