Se já deu por si, de forma instintiva e quase inconsciente, a cantarolar a letra de uma música usada num anúncio publicitário, fique a saber que o objetivo dos inventores desse mesmo anúncio foi alcançado: a publicidade foi memorizada e interiorizada pelos consumidores. Mas, e se a publicidade começasse a entrar nos sonhos? E de forma intencional, como resultado de estratégias de marketing?
Um grupo de três investigadores da Universidade de Harvard, MIT e da Universidade de Montreal estão preocupados com este fenómeno — já comprovado —, pelo que escreveram um artigo científico a alertar para as consequências negativas que daqui podem resultar. “O uso comercial e com vista à obtenção de lucros através da incubação de sono — a apresentação de estímulos antes e durante o sono para afetar o conteúdo dos sonhos — está rapidamente a tornar-se uma realidade“, escrevem.
Uma preocupação específica — da qual fazem parte dos investigadores que já trabalharam com um dispositivo no MIT desenvolvido para comunicar com indivíduos enquanto dormem e até entrar nos seus sonhos — teve que ver com um anúncio transmitido antes do Super Bowl [a final do campeonato de futebol norte-americano], no qual uma empresa de bebidas tentava recrutar participantes para um estudo de “incubação de sonhos”. Na publicidade era ainda feita referência ao conceito “incubação de sono direcionada“, cunhado em 2020 num artigo científico assinado novamente por dois dos três integrantes do trio de investigadores, o que indica que os publicitários andam atentos à pesquisa científica sobre o tema.
Devido à gravidade do que pode estar em casa, os três académicos assinam uma carta — que entretanto foi subscrita por mais 40 cientistas —, onde condenam a manipulação dos sonhos ao serviço da publicidade. No documento é também feito um apelo à Comissão Federal do Comércio, entidade norte-americana responsável por regular a publicidade nos Estados Unidos, para que atualize as regras relativas ao uso de mensagens subliminares neste meio para, assim, proibir a invasão dos sonhos.
Para os autores da investigação (e do documento), é importante agir antes que seja demasiado tarde. Primeiramente, porque a incubação de sonhos pode ter resultados práticos e bons — por exemplo, no tratamento de stress pós-traumático —, mas, acreditam os investigadores, será apenas uma questão de tempo até que as empresas de tecnologia que produzem relógios, aplicações ou outros dispositivos capazes de monitorizar o sono vendam os dados recolhidos, nomeadamente a agências de publicidade e até empresas, de forma a conseguirem receitas.
O pior de todo o fenómeno, escreve o site Futurism, é que os cidadãos, caso sejam expostos a este tipo de estratégia publicitária, não serão capazes de se lembrar. Os autores evocam o exemplo de uma experiência feita com fumadores, na qual os indivíduos foram expostos, durante o sono, ao cheiro dos cigarros misturado com outros odores desagradáveis, de forma a abandonarem o vício. O resultado foi positivo, com os fumadores a rejeitarem os cigarros, no entanto, não tinham qualquer memória de terem sido expostos aos cheiros. Desta forma, o apelo dos investigadores sai ainda mais reforçado.
“O anúncio do Super Bowl não foi uma mera campanha de marketing enganosa. Foi um sinal de que o que antes era uma coisa dos filmes de ficção científica talvez seja rapidamente realidade” pode ler-se no artigo publicado no site Aeon. “Agora estamos numa inclinação escorregadia. Para que lado vamos escorregar e com que velocidade depende das ações que decidimos ter, de forma a protegermos os nossos sonhos.
https://zap.aeiou.pt/publicitarios-invadir-sonhos-sabem-como-447182
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