No final da década de 50, quando os geólogos apresentaram a
revolucionária teoria das placas tectônicas, já havia sido encontrada a
metade de todo o petróleo existente na Terra que o homem poderá
utilizar. Foi fácil descobri-lo. Hoje em dia, no entanto, a sua
exploração concentra-se em depósitos localizados em pontos menos
evidentes, e encontrá-los requer um esforço cada vez maior. A nova
teoria, que apresenta a camada externa da Terra com uma espessura entre
50 e 150 quilômetros, dividida em placas que se movimentam vagarosa, mas
incessantemente, acabou se tornando um providencial facilitador desse
trabalho. A compreensão das condições geológicas torna mais fácil
descobrir onde o petróleo se encontra; e, mais importante, ajuda também a
saber onde ele não se encontra. Dessa forma, os geólogos especializados
nessas pesquisas podem fazer estimativas mais confiáveis do total das
reservas com as quais o homem poderá contar, no futuro. O resultado não é
o anúncio de uma catástrofe iminente, mas um claro aviso de que chegou a
hora de começar o planejamento de um mundo sem petróleo — na melhor das
hipóteses, as reservas resistem até meados do próximo século.
Não
foi à toa que o petróleo se tornou motivo de guerras e revoluções,
fonte de riquezas e de degradação ambiental. Desbancando o carvão, ele
logo se tornou o principal combustível que mantém em movimento a
sociedade industrial moderna, com suas fábricas, cidades feericamente
iluminadas, e cada vez maiores frotas de navios, aviões e automóveis
correndo de um lado para outro. Descrito sumariamente, ele é uma
substância, quase sempre em estado líquido, constituída de cadeias de
átomos de carbono e hidrogênio. Forma-se na natureza por meio da
separação de moléculas orgânicas comuns, citadas na maioria dos rótulos
de alimentos que compramos no supermercado: ácidos graxos, carboidratos,
açúcares, proteínas. Qualquer forma de vida pode fornecer estes
ingredientes para a sua formação, mas o fitoplâncton — planta unicelular
aquática — é de longe a fonte mais abundante.
Para que o
petróleo se forme, é necessário que o fitoplâncton fique enterrado sob
espessas camadas de rocha, com muito calor. As moléculas de ácidos
graxos e de substâncias semelhantes são robustas, e podem permanecer
inalteradas na rocha por milhões de anos. O calor do planeta, contudo,
consegue acelerar seus átomos e romper suas ligações químicas,
permitindo a transformação. A temperatura da camada externa da crosta
terrestre aumenta cerca de 1 grau a cada 30 metros de profundidade. A
cerca de 3 000 metros ela já é suficientemente alta para dar início à
transformação das substâncias químicas orgânicas originárias do
fitoplâncton. Não muito mais abaixo, contudo, a temperatura atinge
níveis tão altos que as próprias moléculas do petróleo começam a se
separar.
Para encontrar as reservas, entretanto, não basta
procurar em locais onde sedimentos ricos em matéria orgânica jazem a
cerca de 3 000 metros de profundidade. Em sua fase inicial de formação, o
petróleo constitui-se de gotículas dispersas cuja exploração é
inviável. Ele só será aproveitável quando essas gotículas se juntarem em
enormes volumes. À medida que a pressão aumenta, o óleo é “espremido”
para fora da formação rochosa. Como naquelas profundidades não existem
grande buracos ou túneis através dos quais possam se movimentar, as
gotículas escoam por uma rede de poros e fissuras microscópicas. Quanto
maiores as aberturas, mais facilmente o petróleo viaja, mas o ritmo do
movimento é sempre arrastadamente vagaroso, e pode ser medido em poucos
centímetros ao ano.
Como ele é mais leve do que a rocha e a água
que ali existem, consegue elevar-se airosamente à superfície, ou
movimentar-se lateralmente em direção aos pontos de menor pressão, até
ficar preso sob uma camada de rocha impenetrável. Se a camada abaixo
dessa “tampa” for extremamente porosa, pode funcionar como uma esponja e
encharcar-se de petróleo. Somente quando chega a uma estrutura
geológica desse tipo ele se torna um recurso útil para os interesses
humanos. Rochas subterrâneas em muitas configurações diferentes podem
armazenar petróleo; mas quase tudo que se conseguiu explorar, até hoje,
estava em formações curvas ou em forma de cúpula, chamadas anticlíneos,
no jargão geológico.
Gerações de geólogos dedicados à pesquisa de
reservas petrolíferas utilizaram mapeamentos geológicos de superfície e
sondagens sísmicas para procurar esses anticlíneos. E aí o conhecimento
da teoria das placas tectônicas foi providencial: elas explicam como
esses anticlíneos estão distribuídos. As placas terrestres movimentam-se
na mesma rapidez em que crescem as unhas dos nossos dedos, mas seus
efeitos são suficientemente poderosos para provocar grandes terremotos e
dar origem a vulcões e cordilheiras. As cúpulas e anticlíneos costumam
ocorrer nos pontos em que as forças tectônicas espremem a crosta
terrestre, em regiões onde tenha acontecido uma colisão de continentes
ou onde a crosta oceânica esteja se movimentando em direção ao
continente, ou ainda onde os continentes estejam se esticando em
direções contrárias. Quando as camadas horizontais de rocha são puxadas
ao longo de uma falha diagonal, algumas delas podem perder o apoio e
desabar, tomando a forma de um arco.
A maioria dos depósitos está
associada às áreas para onde convergem as placas. As enormes reservas
do Oriente Médio encontram-se perto da zona de colisão entre as placas
árabe e eurasiana. O petróleo ao norte da Cordilheira Brooks, no Alasca,
e a leste dos Montes Urais, na Rússia, resulta da convergência de
placas da crosta terrestre. Conhecer a teoria das placas tectônicas
permite prever que podemos descobrir novos depósitos nos contrafortes da
Cordilheira dos Andes na América do Sul, do lado continental, e nas
bacias interiores da China.
A maior parte do petróleo restante se
encontra nas áreas em que as placas se fenderam e se afastaram umas das
outras. Os campos petrolíferos ao longo das costas brasileira e
nigeriana do Oceano Atlântico, entre a Bretanha e a Noruega no Mar do
Norte, ou ao largo da costa da Líbia no Mediterrâneo, são todos
resultado de fendas continentais. Anticlíneos e outros ambientes
favoráveis à formação de petróleo também podem se formar em regiões em
que as placas deslizam umas por cima das outras, como ocorre na Falha de
San Andreas, na Califórnia, mas essas ocorrências são raras.
A
última descoberta de grandes depósitos de petróleo com certeza ainda não
se realizou. Mas também é certo que o consumimos muito mais depressa do
que ele consegue se formar e se acumular. Nosso suprimento se formou em
unidades de tempo geológico — milênios, eras, éons — mas está sendo
consumido em unidades de tempo humano — séculos, décadas, anos. Desde
que as economias ocidentais começaram a depender sobretudo dele para a
produção de energia e transporte, a humanidade passou a indagar quanto
petróleo ainda existe. O futuro da civilização depende da resposta.
Mesmo
com o auxílio da teoria das placas tectônicas, é impossível fazer esse
cálculo com precisão. Há três componentes no suprimento mundial que
precisam ser considerados. O primeiro é a produção — o petróleo que foi e
está sendo extraído. O segundo são as reservas — o petróleo que está
disponível e pode ser eficientemente extraído. O terceiro são as
reservas ainda por descobrir, geralmente chamadas “recursos potenciais”.
A estimativa das reservas mundiais conhecidas mal atinge a marca de 1
trilhão de barris. Até 1990, foram produzidos e consumidos 650 bilhões
de barris; sabemos da existência de outros 950 bilhões em campos já
descobertos, porém não explorados; supõe-se que outros 500 bilhões
estejam à espera de serem descobertos.
Assim, o total do que já
foi consumido, do que sabemos existir e da melhor estimativa para o que
ainda está por ser encontrado mal atinge a casa dos 2 trilhões de barris
de produto aproveitável. Esses números não são tão grandes quanto
parecem. Os campos que estamos descobrindo são cada vez menores e o
trabalho de perfuração necessário para sua exploração fica cada vez mais
árduo e caro. Desde a década de 60, os Estados Unidos consomem mais
petróleo do que produzem; esse déficit cresceu nos últimos trinta anos, a
despeito de níveis de perfuração jamais atingidos. No final da década
de 80, o país já importava mais do que produzia.
À taxa atual de
consumo mundial de 20 bilhões de barris por ano, teríamos setenta anos
de petróleo abundante. É provável que o consumo aumente à medida que os
países em desenvolvimento atinjam padrões de vida mais altos. É difícil
prever o que acontecerá, em termos sociais, políticos e econômicos,
quando nos aproximarmos da última gota do produto — mas não é difícil
imaginar, para quem conhece o passado de turbulências, guerras e
conflitos que sempre envolveu sua posse e sua exploração. Precisamos
aproveitar as reservas existentes para um prudente e meticuloso
planejamento do futuro — um futuro sem petróleo.
Mil e uma utilidades
Petróleo
existe na Terra nos estados sólido, líquido e gasoso — mas só o líquido
tem merecido o direito ao uso do nome e o reconhecimento como grande
benfeitor da humanidade (embora o gás já esteja ameaçando tomar-lhe a
dianteira). Era conhecido e usado pelos povos mais antigos, sobretudo na
forma de betume, que servia para muitas coisas, entre as quais
construir estradas e calafetar embarcações. Ganhou importância no mundo
moderno quando substituiu o óleo de baleia na iluminação pública das
cidades europeias. Até então, aproveitava-se o petróleo que aflorava
espontaneamente à flor da terra; o primeiro poço perfurado para
extraí-lo foi obra do americano Edwin L. Drake, em Titusville,
Pensilvânia, nos Estados Unidos, em 1859. Logo ele estava sendo extraído
em toda parte — e a invenção do automóvel elevou-o à condição de mais
importante fonte de energia da sociedade moderna.
Mas o petróleo
serve para muito mais coisas do que simplesmente produzir gasolina.
Refinado, ele se transforma também em querosene, óleo diesel, óleo
lubrificante, solventes, tintas, asfalto, plásticos, borracha sintética,
fibras, produtos de limpeza, gelatinas, remédios, explosivos e
fertilizantes. Ao longo da História, produziu também incontáveis
guerras, invasões, disputas territoriais, golpes de Estado, revoluções,
cismas políticos. O Oriente Médio, os Estados Unidos e os territórios da
antiga União Soviética são os maiores produtores — e os dois últimos
igualmente os maiores consumidores.
Parentes próximos, mas inaproveitáveis
Além
do petróleo convencional, disponível em campos que podem ser explorados
pela simples perfuração de poços, há outros tipos que dependem de
estudos, pesquisas e desenvolvimento tecnológico para serem utilizados.
Por exemplo, o petróleo extrapesado do cinturão do Orinoco, na
Venezuela, as areias de alcatrão de Athabasca, no oeste do Canadá, e os
reservatórios de petróleo gelado e viscoso do Declive Norte do Alasca. O
óleo da argila xistosa também é um recurso potencial, embora ainda não
possa ser considerado verdadeiro petróleo — é uma rocha sedimentária
rica em substâncias orgânicas que ainda não “ficou no forno” o tempo
suficiente para chegar ao ponto. Podemos aquecê-la num forno de verdade e
acelerar o processo, mas custaria quase três vezes mais do que a
exploração de poços comuns. Uma coisa é certa: esses recursos não
convencionais poderão se tornar importantes, no futuro, mas continuam
cercados por incertezas econômicas e científicas. O mais certo é
acreditar que eles jamais chegarão a ser aproveitados em larga escala.
Fonte: http://super.abril.com.br/cotidiano/mundo-petroleo-440788.shtml