Temos o rio amazônico e outros rios poderosos, uma série de grandes
barragens e um oitavo de toda a água doce do mundo. O Brasil é tão rico
nesse recurso cobiçado que já foi chamado de “Arábia Saudita da água”.
E, ainda assim, na maior e mais rica cidade do país, as torneiras estão começando a ficar secas. Como chegamos a esse ponto?
Situação ainda crítica
Apesar das chuvas recentes, a situação não parece melhorar, pelo menos não substancialmente.
Um novo relatório da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São
Paulo) divulgado na última terça-feira (17) mostrou que apenas o volume
morto do Cantareira, principal sistema da capital paulista, se recuperou
um pouco. Considerando ambos o volume útil e o volume morto, o índice
oficial do reservatório foi calculado em 11,9% (150,6 bilhões de litros
divididos por 1,3 trilhão de litros).
O sudeste enfrenta sua pior seca em quase um século. Antes da crise, o
Cantareira abastecia 8,8 milhões de pessoas, mas hoje produz água
apenas para 5,6 milhões. De um ano para cá, o sistema teve um corte de
56% na vazão.
- Imagens da Nasa mostram a situação crítica da falta de água em São Paulo
Qual a solução proposta para essa crise?
Para alguns, a questão não é se a água vai acabar, porque já acabou.
Se, para a população, o governo do estado afirma que tudo vai ficar bem,
atrás de portas fechadas o clima é mais tenso. Em uma reunião gravada
secretamente que vazou para a imprensa cerca um mês atrás, Paulo
Massato, um alto funcionário da Sabesp, disse que as pessoas deveriam
sair de São Paulo “porque aqui não tem água, não vai ter água para
banho, para limpeza da casa”.
Os funcionários da companhia reconheceram uma diminuição na pressão
da água na rede de distribuição, mas as autoridades frequentemente
insistem que isso não é o mesmo que o racionamento, semeando confusão e
raiva entre os que já não estão ficando sem água.
As soluções prometidas para a crise são ambiciosas, mas ainda estão
muito longe de se concretizar. Por exemplo, a Sabesp diz estar
perseguindo um projeto grandioso para tirar água de uma bacia
hidrográfica nas proximidades e construir novos reservatórios, mas esses
esforços devem ser concluídos só em meados do próximo ano.
“É um sistema de água que claramente não tem sido bem gerido”, disse
Newsha Ajami, diretor de política da água urbana no Stanford Woods
Institute for the Environment, da Universidade Stanford (EUA), que
recentemente se reuniu com autoridades brasileiras. “Eles apostam nesses
megaprojetos, que deveriam ser a última solução, quando deveriam ter
sido tomadas medidas agressivas meses atrás para reduzir o consumo e
vazamento”.
Posicionamento absurdo
Estima-se que mais de 30% da água tratada da cidade é perdida em
vazamentos e desvios. Em um comunicado, a Sabesp disse que estava
buscando reduzir esses vazamentos. Chegou a oferecer descontos para a
população diminuir o consumo de água, enquanto implementa multas
exorbitantes para o alto consumo.
Racionamento “ainda está em discussão e estudo”, segundo a companhia,
mas para as pessoas que já o experimentam, a posição das autoridades
tem sido desconcertante, na melhor das hipóteses.
“Eu sinto ódio, ódio do governador e da Sabesp”, disse Márcia Oliani,
54 anos, ao jornal americano The New York Times, gerente de finanças de
uma galeria de arte que suportou seis dias sem água em seu apartamento.
“Eles falharam completamente em nos avisar, e só continuaram a mentir
sobre isso ao longo tempo”.
A causa da crise
Especialistas dizem que as origens da crise vão além da recente seca e
incluem uma série de fatores interligados: a onda de crescimento da
população da cidade no século 20; um sistema cronicamente com vazamento
que espalha grandes quantidades de água antes que ela possa chegar as
casas; poluição notória nos rios Tietê e Pinheiros que atravessam a
cidade; e a destruição das matas circundantes e zonas úmidas que
historicamente embebiam a chuva, lançando-a em reservatórios.
O desmatamento na bacia do rio Amazonas, a centenas de quilômetros de
distância, também pode ser adicionando à crise da água de São Paulo.
Destruir a floresta reduz a sua capacidade de liberar umidade no ar, por sua vez diminuindo chuvas no sudeste do país, de acordo com um estudo recente.
O governo também aponta para o aquecimento global. “A mudança
climática chegou para ficar”, disse Geraldo Alckmin, o governador do
Estado de São Paulo. “Quando chove, chove muito, e quando há seca, é
muito seca”.
E o pior ainda nem chegou
Especialistas em água alertam que a crise ainda poderia estar em seus
estágios iniciais, o que significa que o problema da falta em São
Paulo, a capital econômica do Brasil, poderia prejudicar ainda mais os
esforços para fortalecer a economia nacional.
“Eles não atingiram o pior de tudo se não estão usando caminhões-pipa
em grandes quantidades”, disse Steven Solomon, o autor de “Água: a luta
épica para riqueza, poder e civilização”, comparando a crise com a
situação nas cidades da Índia e Paquistão, onde moradores caçam água ou a
compram no mercado negro.
Em um país onde a água abundante é uma fonte de orgulho nacional, a
crise traz questionamentos de uma como cidade global poderosa como essa
chegou a este ponto.
- Passar de etanol para gasolina diminui o ozônio no ar em São Paulo
Ignácio de Loyola Brandão, um escritor cujo romance de 1981 “Não
Verás País Nenhum” imaginou uma São Paulo às voltas com a degradação
ecológica e escassez crônica de água, disse a repórteres que não se
surpreende com os problemas atuais da cidade, citando a relutância de
muitas famílias de reduzir o seu próprio consumo de água e o que ele
chamou de indiferença com que muitas pessoas no Brasil tratam escândalos
ou desastres naturais. “A maioria não fica indignado com qualquer
coisa”, disse, “como se estivéssemos passeando confortavelmente em
direção a nossa própria morte”.
Fonte: http://hypescience.com/crise-em-sao-paulo-como-o-pais-chamado-de-arabia-saudita-da-agua-chega-a-esse-ponto/