A
Cop26 está a reunir mais de 120 representantes de países em Glasgow, na
Escócia, mas muitos dos países mais afectados pelas alterações
climáticas não estão a ser devidamente ouvidos na cimeira.
O
Presidente da Cop26 garantiu que esta vai ser a “Cop mais inclusiva de
sempre“, mas apesar desta ser a maior conferência relacionada com o
clima desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015, há muitos nomes de
peso que não estão em Glasgow.
Entre os 25 mil delegados de
muitos países que estão na Escócia, vários políticos e activistas
importantes ficaram de fora, seja por causa da pandemia, dos custos da
viagem e estadia ou outros problemas logísticos.
As regiões MAPA
— Áreas e Pessoas Mais Afectadas — são das que menos contribuem para as
alterações climáticas e das que mais vão ser afectadas, mas estão pouco
representadas tendo em conta o impacto da crise climática que vão
sofrer.
Segundo a Island Innovation, um terço dos países
insulares do Pacífico anunciaram que não tinham possibilidades para
enviar delegações pela primeira vez na história da Cop.
Conhecidos
como Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), apenas as
Fiji, Papua Nova Guiné, Palau e Tuvalu enviaram os seus líderes para
Glasgow. Os restantes países tem uma representação bastante mais
limitada ou até nenhuma, principalmente devido à pandemia. Por
contraste, só os Estados Unidos enviaram uma delegação de mil pessoas.
“É
vital considerar os desafios climáticos únicos que os SIDS enfrentam,
que experienciam uma vulnerabilidade extrema a desastres ambientais e ao
aumento do nível dos mares. É por isto que a influência de organizações
como a Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS) é tão crucial na
ajuda para o reconhecimento das necessidades únicas do SIDS. Já que 20%
dos membros da ONU integram a AOSIS, há muitas discussões ao mais alto
nível relacionadas com o efeito das alterações climáticas nestas ilhas.
Membros da AOSIS têm uma voz forte enquanto bloco e vão colaborar juntos
para garantir que os seus interesses são protegidos”, escreve a Island
Innovation.
A própria existência destes pequenos países está ameaçada em alguns casos, como nas Ilhas Marshall. Um
relatório
do Banco Mundial concluiu que este país será um dos primeiros no mundo
cuja existência estará em risco devido à subida do nível das águas do
mar. O estudo visualizou como o aumento entre 0,5 e dois metros que está
previsto pode levar a que as ilhas tenham de enfrentar um difícil
processo para protegerem serviços como escolas e hospitais e de
deslocação de várias comunidades.
A investigação aponta
infraestruturas específicas que podem ficar submersas nos próximos 100
anos, mas realça que o impacto será dependente da proximidade do mundo
às metas definidas no Acordo de Paris. “Acho que não pode ser aceitável
para qualquer pessoa neste mundo a eliminação de um país“, revelou Tina
Stege, representante do pequeno país insula com 60 mil habitantes, à Sky
News, falando já num “plano de sobrevivência”.
As Ilhas
Marshall foram também essenciais para a criação da coligação High
Ambition das Nações Unidas, que foi o grupo que pressionou os líderes a
comprometerem-se em não deixar subir a temperatura global mais que 1.5ºC
no Acordo de Paris. Na altura, o chefe das negociações foi Tony de
Brum, tendo o representante do país insular passado meses a reunir-se
com os responsáveis políticos dos países mais desenvolvidos e mais
poluidores.
Os SIDS estão também muito mais em risco do que
qualquer país do hemisfério Norte. Para além da subida do nível das
águas do mar, o aumento das temperaturas e a maior frequência de
fenómenos meteorológicos extremos, como furacões ou incêndios, também
ameaçam afectar ainda mais estas nações insulares, que já estão em
desvantagem devido ao pequeno tamanho e poder económico.
Mas
apesar de terem sido essenciais vitais no compromisso dos 1.5ºC, estamos
já nos 1.1ºC — e muitos dos que mais estão a sofrer não estão a ser
ouvidos em Glasglow.
“A nossa soberania e mera sobrevivência
está em risco“, afirma o primeiro-ministro das Fiji, Frank Bainimaram,
que considera que a Cop26 pode ser a “última oportunidade” para se
prevenir o pior.
Há também uma sensação entre muitos activistas
que não estão na Escócia de que a ausência dos países MAPA vai levar a
que as conclusões da cimeira fiquem muito aquém do necessário dada da
gravidade e urgência das adopção de medidas sérias contra as alterações
climáticas, escreve a
Euronews.
“Sinto
que perdi a minha voz e da minha comunidade. Somos os mais afectados
pelas alterações climáticas porque a nossa comunidade depende de
recursos naturais”, afirma Aqli Farah, um ambientalista da Somália. Numa
publicação no Twitter, Farah deixa também um apelo a que de “oiçam os
MAPA”.
O activista acredita também que há muitas conversas e
trocas de ideias que só podem ser feitas através da ida presencial à
Cop26. “Trocar informações é tão importante, para se ter o conhecimento
extra da experiência de outras nações na luta contra as alterações
climáticas”, acrescenta à Euronews.
Já Lidy Nacpil, uma
activista que coordena o Movimento das Pessoas Asiáticas sobre Dívida e
Desenvolvimento, já enviou grupos para as Cops desde a 13ª edição em
Bali. No entanto, esta é a primeira cimeira desde 2007 onde não vai
marcar presença, o que considera “muito frustrante“, tendo de acompanhar
o evento online.
“Apesar de não termos ilusões de que as
soluções para a justiça climática saiam principalmente de negociações,
as Cops são arenas muito importantes para discutir, desafiar a
pressionar os governos. As Cops são dominadas pelos governos ricos e
interesses corporativos, por isso é sempre preciso um grande esforço
para amplificar as vozes, perspectivas e apelos das pessoas e
comunidades, especialmente do hemisfério Sul. Com uma presença do Sul
tão reduzida na Cop26, vai ser um processo ainda mais desigual e pouco
democrático”, critica.
“Precisamos de líderes que oiçam as nossas histórias”
Muitos
países em desenvolvimento vão ser os mais prejudicados com a crise
climática e, dado o seu poder económico reduzido, os activistas
acreditam que os seus apelos vão ser ignorados. “Vamos ser esquecidos
outra vez”, revela a activista filipa Mitzi Jonelle Tan, à
AFP.
“Precisamos de líderes que oiçam as nossas histórias; eles não sabem
como é ter medo de morrer por causa das cheias”, acrescenta a jovem de
24 anos, que vive em Marikina, uma região das Filipinas que sofre
regularmente com tufões cada vez mais fortes.
Tan está também
ligada ao movimento Fridays For Future, criado pela sueca Greta
Thunberg, que inspirou greves de jovens e protestos nas ruas um pouco
por todo o mundo. No entanto, a mesma pandemia que limitou o acesso dos
activistas à Cop26 devido à falta de vacinas, restrições sanitárias ou
financiamentos mais pequenos, também obrigou os jovens a passarem as
manifestações das ruas para a internet.
“Nos espaços online, as
distâncias entre o Norte global e o Sul global tornam-se menos
relevantes”, explica Joost de Moor, professor na Universidade de Paris, à
AFP. Mitzi Jonelle Tan criou depois um grupo no WhatsApp onde jovens de
todos os cantos do mundo começaram a trocar experiências e ideias sobre
o activismo climático
Foi até criado um segmento para as
regiões MAPA dentro do Fridays For Future, que quer que se encare a luta
climática num contexto holístico que englobe outras injustiças
relacionadas com a classe económica, o racismo, as deficiências ou a
discriminação de género. “Para jovens ambientalistas no Sul, as
alterações climáticas afectam directamente a sua qualidade de vida,
habitação e capacidade de se alimentarem”, afirma Sarah Pickard,
investigadora sobre a participação política dos jovens.
Outro
problema que muitos acreditam que vai ser varrido para debaixo do tapete
na Cop26 é o impacto da exploração de recursos para a produção de
energias renováveis. As estimativas do Banco Mundial apontam para que
mais de três mil milhões de toneladas de minerais e metais sejam
precisas para se criar a energia eólica, solar e geotérmica necessária
para haver uma transição total para a produção energética renovável. Mas
há abusos a decorrer na exploração destes recursos.
“Não é só
sobre a redução das emissões de carbono, mas também sobre a forma como
isso é feito. A verdadeira mudança vem das ruas. Temos de fazer tanto
barulho que eles não nos possam ignorar”, remata Tan.
Uns não vão porque não podem, outros porque não querem
Apesar
da maioria dos países estarem representados nas conversas da Cop26, há
alguns líderes de países grandes e muito poluidores que são faltas
notórias na cimeira. O Presidente russo Vladimir Putin, assim como o
líder chinês Xi Jinping e o chefe de Estado brasileiro Jair Bolsonaro
estão entre os pesos pesados que não estão em Glasgow.
O
Presidente do México, Andres Manuel Lopez Obrador, o Presidente da
África do Sul Cyril Ramaphosa e o Presidente iraniano Ebrahim Raisi
também não participaram na Cop26. Do lado português e a braços com uma
crise política, António Costa também não esteve presente, o que lhe
valeu críticas da associação Zero.
A Zero acredita que a cimeira
“justificava uma participação presencial” também devido ao “papel de
Portugal e do próprio primeiro-ministro, que sempre elegeu, e bem, a
relevância das alterações climáticas e da descarbonização”.
A
ONG refere que se entende a ausência dada “a situação que o país
atravessa”, mas realçou que “este é um momento decisivo para a luta
contra as alterações climáticas, na qual Portugal tem demonstrado um
papel activo e deve assumir uma liderança forte e ambiciosa ao nível da
União Europeia”, insistindo, que está em causa “a imagem, reputação e
credibilidade das políticas desenvolvidas em nome do país”.
Joe
Biden também deixou algumas alfinetadas aos líderes russo e chinês por
não marcarem presença. O Presidente dos EUA considera as ausências de Xi
Jinping, enquanto líder do país que é o maior poluidor do mundo, e de
Putin “um enorme erro”.
O chefe de Estado norte-americsno afirma
que as alterações climáticas são uma “questão gigantesca”, lamentando
que os principais responsáveis russos e chineses se tenham alheado de um
evento onde estão presentes líderes de 120 países.
https://zap.aeiou.pt/esquecidos-outra-vez-insulares-cop26-442221