A
badalada da meia noite está quase a chegar, e já se passaram 75 anos. O
relógio do Apocalipse passou este ano para os 100 segundos.
O
Relógio do Juízo Final tem vindo a fazer “tic tac” há exatamente 75
anos, enquanto calcula o quão perto a humanidade está de destruir o
mundo.
Esta quinta feira, o relógio foi ajustado para 100 segundos até à meia-noite — a mesma hora desde 2020.
O
relógio não foi concebido para medir ameaças existenciais, mas sim para
desencadear conversas sobre temas científicos como as alterações
climáticas, de acordo com o Boletim de Cientistas Atómicos (BAS), que
criou o relógio em 1947.
“Cem segundos até à meia-noite reflete
que estamos presos num momento perigoso — um momento que não traz nem
estabilidade nem segurança. Os desenvolvimentos positivos em 2021 não
conseguiram contrariar as tendências negativas a longo prazo”, explicou
Sharon Squassoni, co-presidente do Conselho de Ciência e Segurança do
BAS, que estabelece o relógio.
Squasson é também professora e
investigadora no Institute for International Science and Technology
Policy, na Universidade George Washington.
O Boletim de
Cientistas Atómicos da Universidade de Chicago foi um grupo de
cientistas atómicos que trabalhou no Projeto Manhattan, o nome de código
para o desenvolvimento da bomba atómica durante a Segunda Guerra
Mundial.
Originalmente, foi concebido para medir as ameaças
nucleares, mas em 2007 o Boletim tomou a decisão de incluir as
alterações climáticas nos seus cálculos.
Ao longo dos últimos
três quartos de século, o tempo do relógio mudou, de acordo com o quão
perto o Homem está do Apocalipse, de acordo com os cientistas.
O
Relógio do Apocalipse é fixado anualmente pelos peritos do Conselho de
Ciência e Segurança do Boletim, em consulta com o seu Conselho de
Patrocinadores.
Embora o relógio tenha sido um despertador
eficaz quando se tenta relembrar as pessoas das crises em cascata que o
planeta enfrenta, alguns questionaram a utilidade do relógio de 75 anos.
“É uma metáfora imperfeita”, refere Michael E. Mann, cientista
climático da Universidade Estatal da Pensilvânia, em entrevista à CNN.
O
especialista salienta que o enquadramento do relógio combina diferentes
tipos de risco, com características diferentes, e que ocorrem em
diferentes escalas de tempo.
Ainda assim, “continua a ser um
importante dispositivo que nos recorda, ano após ano, da tenuidade da
nossa existência neste planeta“, acrescenta.
Lawrence Krauss,
físico teórico e antigo membro do Conselho de Patrocinadores do Boletim,
realçou que pode ser difícil levar a sério os resultados do relógio,
uma vez que este tem estado sempre próximo do fim da civilização nas
últimas décadas.
Todos os anos, à medida que o relógio se
aproxima da meia-noite, os cientistas averiguavam a quantidade de “bens
imobiliários” disponíveis, antes de decidirem quão mais distante colocar
o relógio.
“Agora, ele faz tic-tac em segundos, costumava ser
minutos”, sublinhou Krauss. “Não se trata de uma avaliação científica
quantificável, mais de uma avaliação qualitativa. O que sempre foi
importante é o movimento do relógio, não o seu valor absoluto“.
Cada
modelo tem limitações, explicou Eryn MacDonald, analista do Programa de
Segurança Global da União de Cientistas Preocupados, acrescentando que o
Boletim tem tomado todos os anos decisões ponderadas sobre como chamar a
atenção das pessoas para as ameaças existentes e para as medidas a
tomar.
“Embora desejasse que pudéssemos voltar a falar de
minutos até à meia-noite em vez de segundos, infelizmente isso já não
reflete a realidade“, nota ainda.
E quando chegar a meia-noite?
O relógio nunca chegou à meia-noite, e Rachel Bronson, presidente e CEO do BAS, espera que nunca chegue.
“Quando
o relógio atingir a meia-noite, isso significa que houve algum tipo de
troca nuclear ou de alterações climáticas catastróficas que dizimaram a
humanidade. Portanto, não queremos nunca chegar a esse ponto, e não
vamos saber quando o fizermos”, observa a dirigente.
O tempo do
relógio não se destina a medir as ameaças, mas sim a encorajar o
envolvimento público em tópicos científicos como as alterações
climáticas e o desarmamento nuclear. Se o relógio for capaz de o fazer,
então Bronson vê-o como um sucesso. Quando uma nova hora é estabelecida
no relógio, as pessoas ouvem, refere a CEO.
Nas conversações
climáticas da COP26 em Glasgow, o primeiro-ministro britânico Boris
Johnson citou o Relógio do Juízo Final ao falar sobre a crise climática
que o mundo enfrenta, observou Bronson.
A dirigente espera que
as pessoas debatam sobre se concordam com a sua decisão e tenham
conversas sobre quais são as melhores medidas a tomar.
Ainda há esperança
Segundo a Live Science,
ainda é possível fazer recuar o relógio com ações ousadas e concretas.
De facto, o ponteiro afastou-se da meia-noite com um enorme avanço de 17
minutos em 1991, quando a administração do Presidente George H.W. Bush
assinou o Tratado Estratégico de Redução de Armas com a União Soviética.
Em 2016, o relógio estava a três minutos da meia-noite, em resultado do acordo nuclear iraniano e do acordo climático de Paris.
Ainda
não é demasiado tarde para voltar atrás com os ponteiros do relógio e
tornar o mundo mais seguro para as pessoas de todo o mundo, segundo o
Boletim dos Cientistas Atómicos.
O ano passado incluiu “vários
pontos brilhantes e muitas tendências perturbadoras”, incluindo o
aumento alarmante da desinformação online, que travou o progresso da
mitigação da pandemia de covid-19, e dificultou estratégias para lidar
com as alterações climáticas, acrescentou Bronson.
Os desastres climáticos também dominaram as notícias em 2021, com ondas de calor recordes, inundações e incêndios florestais.
As
propostas e ações para reduzir a utilização de combustíveis fósseis e
substituí-los por infraestruturas energéticas sustentáveis estão a ficar
muito aquém do que seria necessário para reduzir as emissões de gases
com efeito de estufa o suficiente, para evitar os piores cenários
previstos pelos modelos climáticos, de acordo com a declaração da BAS.
“Todos
os anos as atividades humanas continuam a encher a atmosfera com
dióxido de carbono, e isso faz subir quase irreversivelmente o preço do
sofrimento humano e da destruição do ecossistema, resultantes das
perturbações climáticas globais”, alerta Raymond Pierrehumbert, membro
do conselho do BAS, e professor de física na Universidade de Oxford.
Embora
não seja possível fazer recuar o relógio sobre as alterações climáticas
ou o impacto da covid-19, empurrar os ponteiros do Relógio do
Apocalipse está ao nosso alcance, de acordo com os membros do conselho
do BAS.
Uma mudança em grande escala que trate do clima e da
resposta pandémica exigirá esforços políticos unificados e mudanças
políticas globais, mas isso não significa que as ações individuais não
contem, acrescenta o docente.
“Pode não o sentir porque não está
a fazer nada, mas sabemos que o envolvimento público move o/a líder
para fazer coisas”, refere Bronson.
Para as alterações
climáticas, basta olharmos para os hábitos diários e tentar fazer
pequenas mudanças, tais como a frequência com que caminhos em vez de
conduzir e a forma como aquecemos a casa, explicou a CEO do BAS.
“Se
nos focarmos num problema e o tornarmos mais fácil de resolver, ou um
pouco melhor, outras pessoas estarão a trabalhar noutros problemas”,
explica. “Só porque a ação não resolve tudo, não significa que não faça
parte de resolver tudo“.