Na Europa, o perigo já começou a afetar os governos altamente devedores. Nestes, os banqueiros passam a administrar, diretamente, as máquinas governamentais. O Brasil estaria livre desse perigo?
César Fonseca
cesarsfonseca@gmail.com Redação Jornal da Comunidade
O processo democrático global está entrando em estresse geral no compasso do aumento excessivo das dívidas dos governos, que levam os bancos credores a interferirem nas administrações, tanto nos países capitalistas desenvolvidos como nos emergentes. Na Europa, os parlamentos estão virando peças de museus do ponto de vista institucional. O Brasil estaria livre desse perigo?
A dívida pública brasileira, em escala crescente, aproximando-se dos R$ 2 trilhões, impondo à sociedade obrigação de pagar cerca de R$ 200 bilhões por ano, de juros, cujo patamar é o mais elevado do mundo, atrativo aos especuladores de toda a natureza, alerta que esse perigo está presente como grande ameaça concreta à democracia brasileira.
Na Europa, o perigo já começou a afetar os governos altamente devedores. Nestes, os banqueiros passam a administrar, diretamente, as máquinas governamentais. Ganha dimensão política a visão tecnocrática, bancocrática, ou seja, o contrassenso essencial. Essa é a
nova ordem mundial.
Recessão
Não apenas a economia, mas, também, a democracia entra em recessão. Há muito tempo, os bancos, compradores dos papéis emitidos pelos governos, dominam a cena econômica dos países, na medida em que os governos se transformaram, ao longo do século XX, nos carros chefes da demanda global capitalista, via ampliação de suas dívidas.
A crise mundial está demonstrando que essa etapa histórica do desenvolvimento econômico entrou em estresse devido ao excesso de endividamento governamental.
Os credores dos governos, por isso, passaram a mandar, primeiro, na economia, agora, na política. Essa tendência, no contexto da bancarrota financeira governamental, em escala global, evidencia-se, claramente, nos países capitalistas desenvolvidos como nos em desenvolvimento, emergentes e submergentes.
Nesse início de século 21, portanto, em que vigora a todo custo a financeirização econômica mundial, comandando capitalismo, na base da especulação, a partir das emissões de papel moeda por parte dos governos, que, na prática, se transformaram em capital, os bancos avançam nos sistemas políticos.
Capital: poder sobre coisas e pessoas
Na Itália, o novo primeiro ministro, Mario Monti, é economista, exerceu cargo de diretoria do Banco Central Europeu. Para comandar a Itália, se cercou de representantes dos bancos, de empresários e técnicos.
Da mesma forma, na Grécia, a cúpula governamental, escolhida pelo parlamento grego, foi toda indicada pelos banqueiros. Lucas Papademos, o novo premier, e sua equipe vieram dos principais bancos credores do país, chancelados pelo Banco Central Europeu.
Cenário semelhante se desenha na Espanha, onde, nesse final de semana, serão realizadas eleições nacionais, para indicação do novo governo. As forças conservadoras deverão sair vitoriosas sobre o Partido Socialista, no poder. Já se fala, também, que o Banco Central Europeu tem pronta a equipe econômica recomendada ao provável novo primeiro ministro espanhol, o líder do Partido Popular, Mariano Rajoy.
A democracia se rende à tecnoburocracia, para que sejam aplicadas sobre os governos falidos o receituário econômico financeiro clássico neoliberal: cortes de salários, aumento de impostos, redução drástica dos gastos públicos, diminuição dos investimentos, privatizações aceleradas e aumentos dos superávits primários, isto é, das reservas financeiras, de modo a atender a demanda dos credores.
Enquadra-se a social democracia europeia, transformando os parlamentos em peças de decoração da superestrutura jurídica, subordinada aos interesses do capital, nos países em que a relação dívida/PIB ultrapassou, em geral, na Europa, os 100%, sinalizando explosões financeiras intermitentes. A nova característica dos governos, dominados pela orientação dos banqueiros, é, ao que parece, de tentar imprimir a visão empresarial e bancária no contexto da administração institucional.
A Europa, sob governos sociais-democratas, sucumbidos à especulação, como estratégia de remuneração do capital, terá que remover as vantagens sociais para ser competitiva no ambiente global altamente concorrencial, imposto pela China, onde não existe democracia.
O estado do bem estar social, que não consegue mais sobreviver mediante endividamento estatal, somente será mantido se ele for capaz de implementar nova estrutura produtiva e ocupacional, dada pela economia tocada a baixo custo, o que parece complicado.
Volta ao passado
A estrutura produtiva e ocupacional que entra em crise na especulação financeira se organizou, ao longo do século 20, mediante expansão dos gastos públicos, quando a economia capitalista deixou de se sustentar, tão-somente, no livre mercado. O capitalismo, então, se apoiava em dois departamentos econômicos: departamento I, produtor de bens de consumo; e o departamento II, produtor de bens de produção.
Até o final do século 19, ambos se organizavam sob o padrão monetário bimetálico, ancorado nas reservas de ouro e prata. O padrão ouro, para funcionar, requeria, substancialmente, equilibrismo orçamentário. Os governos não podiam gastar além das reservas acumuladas em ouro, principalmente. Quando emergia o desequilíbrio, eram obrigados, automaticamente, a se ajustarem, impondo cortes de salários, aumento de impostos, etc.
Em tal contexto, a estrutura produtiva e ocupacional, caracterizada pelo modelo econômico bissetorial, produzia, contraditoriamente, nas fases de ajustes, insuficiência de demanda, cujas consequências eram as de jogar a economia na deflação. Para superar tal contradição, foi necessário criar outra estrutura. Somou-se aos departamentos I e II o departamento III (gastos do governo).
Fonte:
http://comunidade.maiscomunidade.com/conteudo/2011-11-19/economia/5872/BANCOCRACIA,-AGORA,-CONTROLA-A-DEMOCRACIA.pnhtml