O grande objetivo da segunda besta é promover a adoração da primeira. O culto ao imperador está em foco aqui. Embora os judeus, a princípio, pareciam rejeitar tal idéia, ao entregar o seu Cristo às autoridades romanas, eles mesmos disseram: “Não temos outro rei, senão César”. Acerca desse episódio, Alford observa: “Uma degradante confissão da parte daqueles infiéis sacerdotes do povo sobre quem fora dito: ‘...o Senhor vosso Deus era o vosso rei’(I Sm.12:12).[1] Uma vez que César se arrogava “deus”, logo, afirmar sua lealdade a ele, era a mesma coisa que abdicar de suas esperanças messiânicas, e endossar o culto ao imperador romano.
João ainda afirma que a segunda besta promoveria a morte de “todos os que não adorassem a imagem da besta”(Ap.13:15b). Quem são esses que não aderiram à adoração ao imperador? Os cristãos. E o que não falta no Novo Testamento são relatos alusivos à perseguição que os judeus empreenderam contra a Igreja de Cristo. E a desculpa apresentada por eles era sempre a mesma: os cristãos não eram leais a César. Em Atos lemos que “os judeus, movidos de inveja, tomaram consigo alguns homens perversos dentre os vadios e, ajuntando o povo, alvoroçaram a cidade e, assaltando a casa de Jasom, os procuravam (Paulo e Silas) para entregá-los ao povo. Mas não os achando, trouxeram a Jasom e alguns irmãos à presença das autoridades (romanas) da cidade, clamando: Estes que têm alvoroçado o mundo, chegaram também aqui (Tessalônica), os quais Jasom recolheu. Todos estes procedem contra os decretos de César, dizendo que há outro rei, Jesus”(At.17:5-7).
O papel da segunda besta era instigar Roma contra os cristãos.
No afã de impor o culto ao imperador, sanções econômicas foram estabelecidas. Quem quer que se opusesse àquela prática, ficaria impossibilitado de comprar ou vender, podendo inclusive, sofrer o espólio de seus bens. O escritor de Hebreus elogiou seus leitores por terem se compadecido dos que estavam presos, e com alegria terem aceito o espólio dos seus bens (Hb.10:34b). Era comum na comunidade judaica, o confisco de propriedades e possessões de pessoas que fossem consideradas hereges ou desleais às orientações dos líderes religiosos. Geralmente, tais pessoas eram reduzidas à miséria. A fidelidade dos cristãos à sua fé custava-lhes muito caro. Não fosse o espírito comunitário que havia entre eles, muitos teriam morrido na mais absoluta miséria. Uma vez tendo sido espoliados, já não teriam como comprar ou vender coisa alguma. Os romanos agiam de maneira semelhante aos judeus com aqueles que desertavam. De acordo com Champlim, em seu comentário do Novo Testamento, “não há evidência de sanções econômicas radicais e generalizadas contra os cristãos, nos tempos do culto ao imperador. No entanto, ali há provas de que havia “boicote social” dos cristãos, incluindo alguns fatores econômicos. Assim é que Eusébio, na sua História Eclesiástica (V.1.5), fala de uma perseguição que teve lugar algum tempos após 177 d.C., dizendo: ‘O diabo esforçou-se, por toda a maneira, de praticar e exercitar seus servos contra os servos de Deus, não somente impedindo-nos a entrada em casas, banhos e mercados, mas também proibindo-nos de sermos vistos em qualquer lugar’. Esse tipo de situação talvez fosse mais comum, e talvez mais severa, em alguns lugares da Ásia Menor, quando o vidente João escreveu o Apocalipse.”[2] À luz disso, podemos dizer que não era “um bom negócio” ser cristão durante esse tempo. Reconhecer a Cristo como o Soberano Deus era, por assim dizer, aceitar um convite ao sofrimento, e até a um possível martírio.
E quanto à marca da besta? O que seria, afinal? João diz que pessoas de todos os seguimentos sociais deveriam ter tal marca, se quisessem continuar desfrutando da liberdade de comprar e vender. É bem provável que o pano de fundo aqui seja o “charagma” imperial. Deissmann, em seus “Bibles Studies”, afirma que os papiros dos primeiros séculos nos fornecem evidências de que os documentos comerciais oficiais tinham de ter o nome e a imagem do imperador estampados. Tal prática era conhecida como “charagma”, que é a palavra encontrada no texto, traduzida em nosso idioma por “marca”, ou “sinal”. Há um precedente histórico interessante registrado em Macabeus 3:29. Ali é relatado que Ptolomeu Filadelfo compeliu alguns judeus alexandrinos a receberem a marca do deus Dionísio, para identificá-los como sendo seus devotos. Não era incomum que alguns religiosos se deixassem marcar com símbolos ou nomes da divindade de sua devoção. Creio que João toma tal prática pagã como analogia do poder exercido pelas bestas nas esferas econômica, social, e sobretudo, religiosa. Assim como os cristãos fiéis a Cristo teriam a “marca” de Deus em suas frontes, em contrapartida, os adoradores da besta teriam também a sua marca. Talvez haja aqui um trocadilho proposital. João pode estar falando, ao mesmo tempo, das sanções econômicas do Império para com aqueles que não prestassem culto ao imperador, e daqueles que, conscientemente se subordinaram ao poder da Roma Imperial. Por exemplo, quando João fala da marca na mão direita ou na testa que deveriam ser exibidas pelos que fossem leais ao poder imperial, talvez tivesse em mente a prática judaica de usar os “tephillin” ou “filactérios”[3], na mão e na testa. Jesus denunciou os escribas e fariseus, dizendo que tudo quanto faziam era “a fim de serem vistos pelos homens”. E para chamarem mais a atenção de todos, eles alargavam os seus filactérios, e encompridavam as franjas das suas vestes (Mt.23:5).
Outra possível interpretação é que o “sinal” da besta, contendo a sua imagem era a moeda corrente naqueles dias, que trazia a efígie do imperador. Sem ela, nada poderia ser comprado ou vendido. Um ditado que circulava entre os rabinos dizia: “Sempre que corre o dinheiro de qualquer rei, esse rei é Senhor”.[4] As moedas circulantes da época, além da imagem de César, traziam a frase “César é o Senhor”. Tal inscrição era um insulto aos cristãos do primeiro século. Mesmo os sacerdotes reconheciam que tais moedas insultavam a Deus, e por isso, não poderiam ser usadas na compra de animais para o sacrifício no Templo. Daí a presença de cambistas no Templo, para trocar as moedas romanas por moedas judaicas. Josefo conta que o lucro obtido nesse comércio era imenso, e que essa prática era comum. Muitos cambistas se aproveitavam da ignorância das pessoas para ludibriá-las, cobrando-lhes mais do que o justo. Foi por isso que Jesus expulsou-os do Templo. A reação de Jesus foi um protesto contra o espírito ganancioso daqueles que monopolizavam tal prática.
Ainda que não se prostrassem diante de uma imagem do imperador romano, os judeus estavam, por assim dizer, prestando culto a Mamon. [5] O problema não era fazer uso da moeda corrente do império, mas deixar-se dominar pelo desejo obcecado de possuí-la. Como já disse alguém, o dinheiro é um ótimo servo, mas um péssimo senhor. E, conforme Jesus assegurou, “ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas (Mamon)” (Mt.6:24). Os judeus preferiram dedicar-se ao lucro, e abrir mão de sua posição como nação escolhida por Deus.
Quando os cristãos vendiam suas propriedades, e depositavam o dinheiro aos pés dos apóstolos para que fosse repartido entre todos, estavam dando testemunho de que Mamon já não era o seu senhor (At.4:34). Eles sabiam que onde estivesse o seu tesouro, ali estaria o seu coração (Mt.6:21).
É claro que os cristãos faziam uso das moedas romanas, porém, jamais se devotaram ao lucro, como os judeus. Eles as possuíam, mas não eram possuídos por elas. A relação da igreja com o dinheiro era pautada nos princípios ensinados por Jesus e Seus santos apóstolos. Paulo, por exemplo, diz: “Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas”(1 Co.6:12b). Baseados nesse princípio, Paulo diz que os cristãos deveriam ser desapegados de tudo o que pertencesse a este mundo. “Os que compram”, diz ele, devem agir “como se nada possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não abusassem. Pois a aparência deste mundo passa” (7:30b-31).
Paulo alertou a Timóteo para que tomasse cuidado com aqueles que achavam que a piedade cristã era “fonte de lucro”. “De fato”, explica o apóstolo, “é grande fonte de lucro com o contentamento. Porque nada trouxemos para este mundo, e nada podemos levar dele; tendo, porém, sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Mas os que querem ficar ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores (...) Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos” (1 Tm.6:6-10, 17). Que disparate entre esta passagem e o evangelho de prosperidade que é pregado hoje em muitas igrejas!
A onda de consumismo que varre a sociedade é uma verdadeira bestialização do ser humano. Os valores estão sendo invertidos, de forma que, as pessoas estão aprendendo a amar as coisas, e usar o seu semelhante.
Trazer na bolsa algumas moedas com a efígie do imperador não era o mesmo que ter o sinal da besta. O problema era quando a pessoa era marcada pela ambição material, e fazia do dinheiro o grande alvo de sua existência.
Tal dilema era encarado com tamanha seriedade pela igreja primitiva que, quando Ananias e Safira foram capazes de mentir ao Espírito Santo para poupar parte daquilo que fora amealhado com a venda de um propriedade, o juízo de Deus caiu sobre eles, e expiraram diante dos apóstolos (At.5). Não era a Deus que eles serviam, mas a Mamon. Eles não tinham o selo de Deus, e sim a “marca da besta”. Somente os que tivessem o selo de Deus em suas vidas poderiam falar como Paulo: “Mas o que para mim era lucro, considerei-o perda por causa de Cristo”(Fp.3:7).
O Número da Besta
"Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta; porque é o número de um homem, e o seu número é 666” (Ap.13:18). O homem em questão é, indubitavelmente, Nero. O cálculo é feito a partir do valor das letras gregas, “Neron Kesar”, transliteradas do hebraico, de acordo com o valor das letras hebraicas; o que dá o total de 666. Segundo R.H. Charles, isso se dá pelo fato de João escrever em grego, enquanto pensa em hebraico.[6] Achados arqueológicos comprovam que Nero era conhecido pelo valor numérico do seu nome (666). Quando o nome Nero César é passado para o hebraico, temos Neron Kesar ( nrwn qsr: não há vogais no hebraico ). Basta, então, fazer o cálculo de acordo com o valor numérico de cada letra.
n = 50r = 200w = 6n = 50q = 100s = 60r = 200Total = 666
Como se não bastassem as evidências, vale dizer que todos os escritores cristãos primitivos que falaram sobre o Apocalipse, começando por Irineu, conectavam a besta do Apocalipse com Nero ou algum outro imperador romano.
Há ainda uma curiosa variação do número 666. Alguns manuscritos trazem em seu lugar o número 616. Isso se dá por causa da forma latina para Neron Kesar, que é Nero Caesar (nrw qsr) , sem a letra “n”, que tem o valor número de 616, comprovando assim a identidade da besta apocalíptica.
Devemos compreender que Nero foi a porta de entrada oficial de Satanás no Império Romano. Embora acreditemos que ele já agisse ali desde a sua fundação. Porém, a partir de Nero, Roma seria o instrumento oficial do diabo para perseguir os santos (os filhos da mulher). Portanto, a besta do Apocalipse é tanto Nero, quanto o Império como um todo, incluindo os imperadores que o sucederam.
Fonte:
http://apocalipsedesvendado.blogspot.com/2007/01/23-666-marca-da-besta.html