O
incêndio na base brasileira Estação Antártica Comandante Ferraz, levantou questões sobre a importância das pesquisas
científicas realizadas no continente e quais os impactos que o acidente
traz para o Brasil.
Dr. Luiz Carlos Molion, membro da OMM (Organização Meteorológica
Mundial) e professor de climatologia da Universidade Federal de Alagoas,
esteve envolvido com o PROANTAR (Programa Antártico Brasileiro) entre
1984 e 1987. Em entrevista para INFO, Molion esclarece quais os reais
interesses brasileiros na Antártica.
Molion: Há 110-150 milhões de anos, estima-se que a Antártica
pertencia a região equatorial, que vai do oeste da Amazônia às Ilhas
Galápagos. Era um local com florestas densas e vulcões, com riqueza de
minerais preciosos e raros, como ouro e, possivelmente, petróleo, já que
biomassa é uma das fontes de petróleo. Há 30-50 milhões de anos, a
Antártica se posicionou no Polo Sul e começou a acumular gelo. Mas, seu
território riquíssimo é o que atrai os países. O Tratado da Antártica,
em 1959, diz que a região não pertence a nenhum país em particular e que
seria reservada para atividades pacíficas, como pesquisas científicas.
Porém, parece estar claro que, quem não marcar sua presença com
pesquisas no território ficará fora quando o “bolo” for repartido. Eu
acho que não há interesse brasileiro real em pesquisas na Antártica.
Existe, sim, o interesse geopolítico, para ter sua fatia do “bolo”
quando daqui há décadas os recursos naturais do continente forem
explorados.
INFO: Quantos projetos, em média, eram mantidos na Estação? Algum deles parou com o incêndio?
Molion: Acredito que sejam entre 35 e 40 projetos, distribuídos
entre pesquisadores de duas redes. O incêndio comprometeu 40% do
programa antártico brasileiro. Segundo o diretor do Centro Polar e
Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Prof. Jefferson
Simões, foram afetadas principalmente as áreas de biociência, algumas
pesquisas sobre química atmosférica, de monitoramento do impacto da
atividade humana naquela região do planeta. Simões também nos contou que
a perda de equipamentos é um prejuízo de dezena de milhões de dólares.
INFO: Qual a importância científica dos estudos feitos na base?
Molion: Em resumo, é a possível importância da Antártica no clima
global e a biologia marinha. O PROANTAR foi instituído pelo governo do
Brasil em janeiro de 1982, com propósitos científicos e políticos,
atingidos em 1984, com a instalação da Estação Antártica Comandante
Ferraz. Os objetivos incluem ampliar o conhecimento dos fenômenos
naturais que ali ocorrem e sua possível repercussão sobre o território
brasileiro, assim como o desenvolvimento de projetos para estudar as
mudanças ambientais globais, identificar os recursos econômicos vivos e
não-vivos da região e formas de seu aproveitamento, além do levantamento
das condições fisiográficas e ambientais do continente Antártico.
INFO: Como a estação brasileira se compara aos projetos estrangeiros similares?
Molion: Está em condições de igualdade na maioria das áreas
científicas, particularmente as biológicas e bioquímicas. Alguns
pesquisadores brasileiros fazem parte de equipes estrangeiras e
vice-versa.
INFO: Que contribuições as pesquisas sobre biodiversidade,
climatologia, química atmosférica, oceanológica e geológica já trouxeram
ao país?
Molion: Diretamente para o Brasil, nenhum resultado prático que
tenha nos beneficiado. O resultado mais importante é o de aprimoramento
dos recursos humanos na pesquisa científica, isto é, formação e
treinamento científico de nossos pesquisadores.
INFO: A perda científica é muito grande para o Brasil? Qual o impacto para a comunidade científica?
Molion: A perda é relativamente grande para o PROANTAR, que tem
tido poucos recursos, e para os grupos científicos participantes (40%).
Para o Brasil, como um todo, eu diria que não houve grande impacto.
INFO: É possível recuperar tudo o que foi perdido? Em quanto tempo?
Molion: É possível, mas vai depender do interesse do Governo
Brasileiro, já que os recursos para sua reconstrução terão de vir de
verba extraorçamentária. De acordo com o Prof. Jefferson Peres, a
reconstrução da Estação Comandante Ferraz demorará de dois a três anos.
Eu, particularmente, acho que, se realmente houver interesse, demorará
pelo menos 5 anos, devido às condições adversas da Ilha Rei George. A
logística é muito difícil e só se pode construir durante o verão
antártico, de três meses por ano. O problema, porém, é mais fundamental:
o Brasil precisa definir uma política científica para a Antártica! Qual
é a nossa missão científica na Antártica? Ninguém sabe.
INFO: Era possível prevenir esse incêndio? O que poderia ter sido feito para tentar prevenir as mortes?
Molion: Certamente. A Estação é antiga, de 1984, portanto, quase 30
anos. Ela precisava de modernização e manutenção. Teria que se ter
evitada também a superlotação, que impõe estresse à parca
infra-estrutura.
INFO: Que tipo de preparo a estação tinha para conseguir lidar com acidentes em situações como essa?
Molion: A Estação estava superpovoada. Ela foi dimensionada para
cerca de 30 a 35 pessoas. Mas, na oportunidade do sinistro, abrigava 59
pessoas. Embora a Marinha afirme que a Estação tinha todo equipamento de
segurança necessário, uma superpopulação sempre aumenta a probabilidade
de desastres, pois sua infraestrutura não foi dimensionada para tanto.
INFO: O governo está empenhado em reconstruir a base como vem dizendo?
Molion: Vai depender do interesse do Governo. Insisto que, em minha
opinião, o objetivo principal sempre foi político ou geopolítico, não
científico.
Luiz Carlos Molion é Bacharel em Física pela USP e doutor em
Meteorologia com campo secundário em Proteção Ambiental pela
Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, professor de Dinâmica do
Clima da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, como professor
associado e pesquisador do Instituto de Ciências Atmosféricas (ICAT), e
membro do Grupo de Prevenção e Mitigação de Desastres da Comissão de
Climatologia da OMM.
Fonte: http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/interesse-na-antartica-nao-e-cientifico-diz-cientista-04032012-1.shl
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