Sandra Silva, que participa do projeto Mars One, diz, "também disseram que chegar à Lua era impossível"
O dia de Sandra Silva parece ter mais horas do que o normal. A professora de 51 anos, que vive em Porto Velho (RO), ensina administração e sistemas de informação em uma universidade, atende em um escritório como advogada, faz design de aquários e escreve uma saga de ficção científica "à la Dan Brown" nas horas vagas. Em meio a todas estas atividades, ainda se prepara para ir à Marte, sem data para voltar.
A brasileira é uma das cem finalistas no processo
seletivo do polêmico projeto Mars One, da ONG holandesa homônima, que
pretende começar uma colônia terráquea no planeta vermelho a partir de
2025.
A empreitada envolve cientistas especializados em
projetos de exploração espacial de 13 países e tem como um de seus
maiores embaixadores o físico teórico Gerard 't Hooft, Nobel de Física
em 1999.
No entanto, o plano para levar o grupo de 24 pessoas até
Marte tem sido criticado por instituições como o Massachussets
Institute of Technology (MIT). Recentemente, engenheiros do instituto
sugeriram mudanças no projeto, afirmando que os colonos poderiam começar
a morrer após três meses no novo habitat.
Sandra, no entanto, não demonstra receio. Fã do clássico
de ficção científica Duna (saga ambientada em colônias humanas
instaladas em outros planetas após o abandono da Terra) ela diz que sua
paixão pela ciência pode levá-la até onde nenhum homem jamais foi. Até o
início do ano, Sandra também ensinava Ciências a alunos do ensino médio
na rede pública.
"Eu sou apaixonada pelo negócio mesmo (pelo espaço),
não tem jeito. Eu pensei muito, já tenho 51 anos. Sonhei minha vida
toda em fazer isso, desde pequenininha. E se você se depara com a
possibilidade de realizar seu sonho e não vai, isso é covardia pura",
disse.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil: O projeto enfrenta
críticas e ceticismo dentro e fora da comunidade científica. Você
acredita que uma colônia em Marte será possível?
Sandra Silva: Acho que não é uma
questão de "se", mas de quando vai acontecer. O homem vai a Marte, isso é
inevitável. Nesse momento, já sabemos que isso tem condições de ser
feito. Vamos fazer uma colônia em Marte e quem sabe em 500 anos Marte
vai estar formada, como a Terra. Mas tem que começar, senão não vai
acontecer nunca.
No Brasil, muitas pessoas não levam isso a sério. Elas
não conseguem perceber que isso pode ser real, porque falta
conhecimento, e tratam isso como piada. Acho ofensivo, porque são
pessoas sérias, que trabalharam a vida inteira em projetos na área
espacial. Não é brincadeira, é um projeto sério. Ninguém ia pegar US$ 6
bilhões para mandar pessoas para a morte.
Quando
eu me deparei com esse projeto na internet, também pensei "que
maluquice será essa?". Mas resolvi ler mais a respeito e percebi que
havia uma alta viabilidade técnica. Fui saber quem eram os responsáveis e
vi que eram pessoas que já haviam trabalhado com a NASA, com a ESA
(Agência Espacial Europeia), com a Agência Espacial Japonesa. Essas
pessoas não são malucas, elas não iriam arriscar sua reputação para
fazer algo que não fosse sério.
Também disseram que chegar à Lua era impossível, mas a
viabilidade técnica desse projeto é maior do que era a da Apollo 11.
Quando lançaram a Apollo 11, aquele módulo lunar nunca havia sido
testado.
Quando entramos no processo seletivo, recebemos material para estudar e ficamos sabendo mais sobre os problemas que podem ocorrer. Nesse caso, diferentemente do caso da Apollo 11, toda a tecnologia que será utilizada é pré-existente. Tudo já foi testado e funcionou, nada será inventado agora.
Por isso, a margem de erro é menor e é possível ter mais redundância (jargão técnico referente a um sistema com vários níveis sucessivos de segurança).
Além disso, o projeto não é simplesmente enviar humanos para Marte.
Antes disso serão enviadas oito naves com a mesma tecnologia, a partir
de 2018, justamente para testar e verificar os possíveis problemas, para
minimizar os riscos ao máximo.
Eu li a crítica recente que o MIT fez sobre a
viabilidade da colônia, mas acho que alguns detalhes técnicos da missão
ainda precisam ser esclarecidos para se chegar a conclusões tão
desastrosas como essa.
BBC Brasil: Como foi o processo seletivo do Mars One até aqui?
Sandra Silva: No início é preciso
responder a um questionário bem grande, porque eles desenharam bem o
perfil do indivíduo que querem para essa missão. É uma missão de
colonização, então o perfil não é o mesmo de um astronauta normal. Por
isso abriram para qualquer pessoa que tiver habilidades e interesse.
Eles querem uma pessoa que tenha alguma coragem, que
tenha resiliência e uma alta capacidade de adaptação, que saiba
trabalhar muito bem em grupo e que possa confiar nas outras pessoas –
porque você vai estar em situações em que sua vida vai depender do
outro. Também temos que apresentar as razões pelas quais gostaríamos de
participar.
Na primeira etapa, eram mais de 200 mil candidatos e
sobraram 1.058. Recebemos o resultado em dezembro de 2013. Depois
começou a etapa física: recebemos uma lista bem grande de exames médicos
com exigências específicas. Para você ter uma ideia, meu oftalmologista
me atende há 40 anos e teve que fazer exames que nunca tinha feito em
mim. Essa etapa diminuiu o número de candidatos para 600.
E agora tive que fazer uma entrevista ao vivo pelo Skype com o doutor Norbert Kraft, que já selecionou astronautas para a Agência Espacial Japonesa e para a NASA. Não posso falar mais sobre a entrevista, porque nós assinamos um termo de não divulgação. Agora somos 100 candidatos, 50 homens e 50 mulheres.
BBC Brasil: O que torna você uma candidata forte para fazer parte da colônia em Marte?
Sandra Silva: Eu sabia que o páreo não
ia ser fácil, mas me inscrevi seriamente, pensando em seguir adiante.
Acho que a minha história de vida me fez desenvolver uma personalidade
semelhante à que eles querem no projeto.
Meu pai é advogado da União e foi transferido para
Rondônia quando eu tinha nove anos. Quando viemos morar em Rondônia, não
existia nada aqui. Nada mesmo. Um simples pé de alface a gente tinha
que mandar buscar de avião, mas há coisas que não podíamos mandar vir.
Então a gente tinha que construir, tinha que ter muita inventividade.
Dependíamos da colaboração uns dos outros para sobreviver.
Quando não há facilidades na sua vida, você acaba
desenvolvendo a capacidade de lidar com situações extremas. Acho que eu
desenvolvi essa capacidade. Como eu era criança, não conseguia
identificar que aquilo era uma situação extrema. Desenvolver coisas,
criar ferramentas, era algo perfeitamente natural.
Para você ter uma ideia, não tinhamos energia elétrica o
dia inteiro, só parte do dia. Na primeira vez em que minha irmã mais
nova foi visitar nossos parentes em São Paulo, ela colocou velas na
mala, porque pensou que podia faltar luz. A pessoa está inserida em um
contexto no qual encara normalmente aquilo que para outras pessoas pode
ser horrível.
Hoje nós temos muitas facilidades aqui, mas não foi
assim sempre. Na minha casa eu mesma troco instalações elétricas,
substituo cimento quebrado. Eu aprendi e isso acabou me ajudando. Além
disso, eu não consigo ficar parada. Durmo pouco, não tenho necessidade
de muito sono. Estou sempre em uma atividade intelectual ou em uma
atividade física.
O
contato com as pessoas do projeto é todo feito em inglês. Eu consigo
ler e entender inglês, mas falar para mim é mais difícil. É por isso que
estou tendo aulas de conversação todos os dias. Mas se você considerar
que há um ano eu não falava nada e hoje já consigo conversar com eles,
foi uma evolução radical.
BBC Brasil: Como seus familiares reagiram à notícia de que você está entre os 100 candidatos para a próxima fase?
Sandra Silva: Quando eu contei durante o
café da manhã que havia sido aprovada, minha mãe botou a mãozinha na
cintura, olhou bem para mim e disse: "pode parar com essa palhaçada,
você não vai pra Marte coisa nenhuma, tá entendendo?". Enquanto eram 200
mil, era uma impossibilidade na cabeça deles. Nesse dia ficou mais
real.
Eles ainda não aceitaram. Meu pai foi o único que se
entusiasmou mais pela ideia, saiu contando para todo mundo. Eu passei a
ser a doida da família. Eles me apoiam, mas não gostam da ideia, não. Eu
tenho uma irmã mais nova que criei como se fosse filha. Ela é quem mais
detesta a ideia. Mas eu já gastei minha maternidade ali, não tenho
vontade de ter filhos.
Alguns dos meus amigos dizem: "Sandra, você é doida de pedra mesmo, tenho que admitir". Outros dão o maior apoio, outros ainda dizem que não me deixarão ir.
BBC Brasil: E o que acontece a partir de agora?
Sandra Silva: Ainda não temos muitas informações, mas eles devem montar grupos que trabalharão juntos e vão observar a empatia entre as pessoas. E sabemos que eles vão gravar um documentário e que a seleção final dos 24 colonos vai ter algum tipo de participação do público.
Mas não existe no projeto nada de definitivo. Não é porque você foi escolhido entre os 24 que com certeza vai para Marte.
Depois da seleção final começa um período de treinamento
que dura oito anos. Há um treinamento pessoal e um treinamento de
grupo. Também precisaremos fazer uma formação técnica, porque cada grupo
de quatro pessoas enviado para Marte deverá ter dois médicos e dois
engenheiros. Essa formação é obrigatória, não é opcional.
Também faremos treinamentos em grupo em ambientes que
simulam o ambiente marciano, onde vamos usar os equipamentos que serão
usados lá. A cada ano, durante três meses, essa simulação vai acontecer
em postos que podem ser na Antártica, no deserto, etc.
Mas se durante esse período de treinamento você não
conseguir desenvolver o programa a contento, poderá ser retirado do
programa. Se descobrir que não quer aquilo, também pode deixar o
projeto.
BBC Brasil: O que você espera de uma vida em Marte?
Sandra Silva: Acho que vai ser muito divertido! Fazer pesquisa, poder ter experiências que nenhum outro ser humano vai viver.
O fato de ter que se inserir em um ambiente
completamente diferente, onde você terá necessidades completamente
distintas das que tem agora, modifica a forma como você raciocina.
Espero que inserida no ambiente marciano eu consiga até ser mais
criativa. Vai ser fantástico.
Fonte: http://noticias.terra.com.br/ciencia/espaco/brasileira-e-um-dos-100-candidatos-a-morar-em-marte-em-2025,9f63736462fbb410VgnCLD200000b2bf46d0RCRD.html
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