Em 1947, analisando o aumento vertiginoso na densidade demográfica
dos Estados Unidos, o etólogo John B. Calhoun decidiu dar início a um
experimento comportamental com foco em uma análise psicopatológica
realizada com ratos para exemplificar como a superpopulação das áreas
urbanas poderia contribuir para o fim da humanidade.
O primeiro
experimento começou em uma fazenda em Rockville (Maryland, EUA), depois
que o vizinho de Calhoun permitiu que ele erguesse um cercado para ratos
em uma pequena floresta que havia atrás de sua casa. O etólogo
construiu um cercado de aproximadamente 1 mil metros quadrados, com
capacidade para abrigar até 5 mil ratos. Intitulada “cidade dos ratos”,
ele adicionou cinco ratazanas grávidas e deu início a sua observação.
Em
2 anos de experimento, por incrível que pareça, a população de ratos
nunca ultrapassou de 200, muito embora tivesse espaço o suficiente para
que alcançasse a população de no mínimo 1 mil animais. Intrigado e sem
saber o que havia acontecido, ele refez o estudo por mais 24 vezes.
A utopia dos ratos
(Fonte: Steemit/Reprodução)
Em
1954, quando Calhoun começou a trabalhar no Laboratório de Psicologia
do Instituto Nacional de Saúde Mental, ele decidiu refazer o experimento
pela 25ª vez, só que focando em como os roedores se comportariam em um
ambiente controlado, livre de predadores, esterilizado, com pouca margem
para doenças, e com água, comida e abrigos suficientes. O projeto foi
chamado por ele mesmo de “utopia dos ratos”, pois os roedores remontavam
um tipo de estrutura social que os homens jamais alcançariam.
Também
nomeado de Universo 25 devido à quantidade de vezes que tentou realizar
com sucesso o experimento, Calhoun visava analisar o efeito da
densidade populacional sobre os padrões de comportamento dos ratos. Para
isso, ele construiu um tanque de 2,7 m², com 1,5 metros de altura e uma
temperatura constante de cerca de 20º C. Equipado com 256 abrigos e 16
canaletas, o cientista deu tudo aos roedores em um espaço que abrigaria
uma população máxima de 2.200 animais.
O experimento começou com
quatro pares de camundongos saudáveis, que foram soltos para dar início à
nova sociedade. Nos primeiros 104 dias, identificado como "fase de
estrutura" ou "período de luta", os roedores se ajustaram ao habitat e
construíram seus ninhos. Quando a "fase de exploração" começou, em que
os animais se encontravam e acasalavam, a cada 55 dias a população
passou a dobrar de tamanho.
Um inferno até à morte
(Fonte: NIH/Reprodução)
Os "machos dominantes" adotaram um comportamento muito agressivo, atacando os demais ou os provocando sem motivo aparente. Alguns se tornaram homossexuais, pansexuais ou hipersexuais, chegando a se deslocarem em grupos que atacavam as fêmeas e estupravam qualquer rato, independentemente do sexo. Por vezes, os alfas lançavam episódios de violência que terminavam em canibalização, apesar de haver comida o suficiente.
Uma vez que os machos abandonaram seus papeis designados dentro da colônia, as fêmeas tiveram que cuidar de seus ninhos, por isso adquiriram um comportamento agressivo, que acabava sendo transferido em forma de violência contra os próprios filhotes. Algumas chegaram a abandonar as ninhadas, gerando uma taxa de mortalidade de 90%, que Calhoun definiu como “fase de estagnação” devido ao colapso dos papeis sociais e à aglomeração excessiva.
Uma previsão social?
(Fonte: Medicine on Screen/Reprodução)
Em
560 dias de experimento, por fim, os roedores perderam a capacidade de
agir como ratos e ficou claro que a mudança seria permanente. Com uma
taxa de mortalidade de 100%, Calhoun decretou que a colônia entrava na
“fase de morte”, na qual o Universo 25 se encaminharia para a sua
extinção.
A geração jovem de ratos cresceu em meio a um ambiente
anormal, sem exemplos de como deveriam se comportar, sem molde de
paternidade e maternidade, instrução para acasalamento e marcação de
território. Portanto, eles apenas comiam, bebiam e se higienizavam.
Nomeados “belos” pelo cientista, esses eram caracterizados por uma
apatia social, perda de propósito de vida e reclusão, sendo os
responsáveis por ocasionar a “primeira morte” da colônia — o fim do
desejo de um futuro. A “segunda morte”, como observou Calhoun, aconteceu
com a extinção total do Universo 25.
Publicada na edição de 1962 da Scientific American,
a conclusão do cientista foi de que os ratos, assim como os humanos, só
prosperam em um senso de identidade e propósito estabelecidos dentro do
mundo em geral e que o estresse, ansiedade, tensão e instinto de
sobrevivência tornam necessário o engajamento na sociedade.
Ou
seja, para Calhoun, quando todo o senso de necessidade é retirado da
vida de um indivíduo, a vida deixa de ter propósito, uma vez que ela não
é apenas apoiada em aspectos básicos – moradia, água, conforto e
comida.
(Fonte: USA Today/Reprodução)
Apesar
de ter recebido muito apoio da comunidade científica, o estudo de
Calhoun também foi questionado e classificado como perigoso. Para o
médico e historiador Edmund Ramsden, "os ratos podem sofrer com
aglomerações, mas os seres humanos podem lidar com isso. A decadência
moral pode surgir não da densidade, mas da interação social excessiva.
Nem todos os ratos ficaram furiosos. Aqueles que conseguiram controlar o
espaço levaram vidas relativamente normais”, observou o médico.
Em
1972, o conceito do Universo 25 apavorou as pessoas nos Estados Unidos e
causou uma histeria em massa quando os índices de densidade
populacional nos centros urbanos estouraram — e as taxas de homicídio
alcançaram 135% com relação à década anterior. A ideia de um iminente
"apocalipse social" em que as pessoas se autodestruiriam despertou a
ideia de migração para os campos ou subúrbios, onde havia espaço
suficiente e uma vida tranquila e natural.
Apesar de tudo, ao lado de Freud e Skinner, o experimento de Calhoun entrou para os “Quarenta Estudos que Mudaram a Psicologia".
https://www.megacurioso.com.br/ciencia/115982-utopia-dos-ratos-experimento-previu-a-extincao-da-humanidade-.htm
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