Documentos da Aeronáutica revelam a missão especial que filmou e fotografou aparições de óvnis no País e mostram como funcionava o departamento criado pelos militares para investigar os relatos sobre discos voadores
Rodrigo Cardoso
ARQUIVO Foto e registro feitos pela equipe da Operação Prato no Pará, em 17 de dezembro de 1977, à 0h30: "Óvni mudava de cor"
Duas dezenas de oficiais da Força Aérea
Brasileira (FAB) estiveram envolvidos em uma missão sigilosa no meio da
selva amazônica, no Pará, 30 anos atrás. Denominada Operação Prato, ela é
a mais impressionante investigação de óvnis (objetos voadores não
identificados) realizada pela Aeronáutica que se conhece. É uma espécie
de caso Roswell brasileiro, com missões secretas, histórias e fenômenos
sem explicação. Enquanto em Roswell, marco da ufologia mundial, os
militares americanos primeiro admitiram a existência dos óvnis e depois
negaram, os relatórios da FAB não deixam dúvidas: os oficiais do I
Comando Aéreo Regional (Comar), em Belém, designados para a operação,
que ocorreu nos quatro últimos meses de 1977, afirmam ter presenciado -
mais de uma vez - UFOs cruzando o céu da Amazônia.
Detalhes da Operação Prato estão em
relatórios sigilosos que acabam de ser liberados pelo governo federal
para consulta no Arquivo Nacional, em Brasília. Desde o ano passado,
estão vindo a público documentos, alguns guardados há mais de 50 anos.
Todos os arquivos secretos de UFO estão sob responsabilidade da Casa
Civil desde 2005. Há 1.300 folhas de um total estimado em 25 quilos de
material, com descrições, croquis e fotos de óvnis referentes a três
lotes de informações da FAB. Os dois primeiros contêm relatos dos anos
50 e 60. O último, aberto em maio e do qual faz parte a Operação Prato,
cobre a década seguinte. No próximo mês, será a vez do acervo dos anos
80. ISTOE recriou em desenhos histórias contidas nos documentos.
Os arquivos também mostram que a
Aeronáutica teve um departamento específico de estudos sobre UFOs entre
1969 e 1972. O Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não
Identificados (Sioani) funcionava nas instalações do IV Comar, em São
Paulo. Composto por pesquisadores civis e autoridades militares, o
Sioani saía à procura de casos pelo País. O material liberado revela com
detalhes a doutrina desse departamento - além de cerca de 70 casos
apurados, todos retratados com desenhos feitos pelos militares.
Entre o material disponível, a Operação
Prato é considerada a mais intrigante. Das cerca de duas mil páginas de
relatórios, 500 fotografias e 16 horas de filmagem documentadas pelos
militares do I Comar, de Belém, apenas 200 páginas e 100 fotos
tornaram-se públicas. Há relatos de 130 avistamentos por militares e
civis. A missão, liderada pelo capitão da Aeronáutica Uyrangê Hollanda,
tinha como objetivo investigar as ocorrências provocadas por um fenômeno
batizado de chupachupa, que começou a ser relatado em 1976 por
moradores da região oeste do Maranhão e se espalhou por Colares, a 80
quilômetros da capital paraense, como uma epidemia.
No total, 400 pessoas teriam sido
atingidas por luzes que, segundo os depoimentos, lhes sugavam o sangue.
Em um dos documentos oficiais, a médica Wellaide Cecim, que tinha 24
anos na época e atendeu a maioria dos pacientes, diz que os feridos
apresentavam "paresia (amortecimento parcial do corpo), cefaleia,
tonturas, tremor generalizado e queimaduras de primeiro grau, bem como
marcas de pequenas perfurações". Para desmistificar o fenômeno, o
capitão Uyrangê, junto com sua equipe, foi designado para colher
depoimentos durante o dia e ficar em vigília à noite munido de máquinas
fotográficas Nikon, com teleobjetivas de 300 mm a 1000 mm, filmadoras e
gravadores.
FOTOS: JOÉDSON ALVES/ISTOÉ; DIVULGAÇÃO. ILUSTRAÇÃO FERNANDO BRUM SOBRE FOTO DE FREDERIC JEAN
Acabou, porém, registrando e
presenciando o que até então acreditava ser ficção científica. "Meu
irmão viu várias naves", contou à ISTOÉ Uyranê Soares de Hollanda Lima,
referindo- se ao chefe da Operação Prato, que morreu em 1997. Comissário
de bordo aposentado, Uyranê lembra bem de uma ligação feita por
Uyrangê, no auge das investigações. "Ele me disse: 'Hoje, um disco
voador ficou a 50 metros da minha cabeça. Era do tamanho do (avião)
DC-10 que você voa. Filmei e fotografei tudo.'" Para os ufólogos, o
termo disco voador faz referência a objetos de vários formatos e cores
que não são aviões, executam diversos tipos de manobras e aparecem em
locais variados.
REVELAÇÃO Foram liberados três lotes sobre UFOs dos anos 50, 60 e 70. Em agosto, será a vez do material da década de 80
Há diversas ocorrências documentadas. A
de número 16 da pasta Registro de Observações de Óvni, por exemplo,
detalha um avistamento feito pelos militares, que escrevem sobre um
"corpo luminoso, emitindo lampejos azulados de intensidade" de cor
"amarela (âmbar ou quartzo-iodo)" que percorria uma "trajetória de curva
à direita, descendente e ascendente" a uma velocidade estimada de 800
km/h. Ele foi presenciado em Colares, às 19h do dia 1º de nov embro de
1977, pela equipe do I Coma r : "Além da luminosidade, o óvni
apresentava um pequeno semicírculo avermelhado na parte superior.
Sentido de deslocamento sudoeste/ nordeste. Ausência de ruído ou
deslocamento de ar." Entre as informações liberadas sobre a Operação
Prato, não há registro de contatos com ETs, tampouco explicação para o
fenômeno do chupa-chupa.
RETRATO 200 páginas e 100 fotos da Operação Prato tornaramse públicas: missão na selva amazônica
Os arquivos, agora públicos, trazem
depoimentos de civis, trocas de correspondências entre militares sobre
óvnis, recortes de jornais da época e várias conversas entre pilotos e
controladores de voos sobre estranhos fenômenos no espaço aéreo
nacional: "Sierra Bravo Juliete, solicitaremos que... se possível, nos
fornecesse toda a performance desse objeto luminoso e faremos uma
gravação de vídeo, positivo?", comunica a torre de controle de Brasília,
como mostra um relatório, a uma aeronave, em 6 de dezembro de 1978.
"Afirmativo, inclusive (a luminosidade) está agora a nossa direita, nos
acompanhando, ela aumenta e diminui a intensidade... está... não é
camada, não é nada... a gente vê que ela aumenta e diminui a
intensidade", responde o piloto. Diante de fenômenos desconhecidos no
céu, a FAB orienta os pilotos a preencher um formulário. Hoje, o sistema
é informatizado, mas, até meados dos anos 70, o papel ficava em bases
aéreas e aeroportos. Estima-se que só 10% dos pilotos façam isso.
No momento, apenas os relatórios de UFOs
classificados como reservados e confidenciais da Aeronáutica tornaram-
se públicos. Espera-se que o Exército e a Marinha façam o mesmo. São
aguardadas, também, as páginas com os carimbos de secreto e
ultrassecreto. Por lei, as que cumpriram 30 anos de ressalva deveriam
ser públicas, mas na prática não é o que ocorre. "Não se quebra uma
cultura de uma vez. E eu não sou a favor de divulgar documentos que
ferem a privacidade das pessoas, induzem pânico à população ou colocam a
segurança do País em risco", defende o brigadeiro José Carlos Pereira,
ex-comandante de operações da FAB e ex-presidente da Empresa Brasileira
de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).
ILUSTRAÇÃO FERNANDO BRUM SOBRE FOTO DE FREDERIC JEAN
Relatos de civis
Desenhos de militares na Operação Prato retratam objetos vistos por testemunhas
CAUDA COLORIDA
Corpo luminoso de 1,50 metro de cor
amarelo-avermelhada, deslocando-se a baixa altura (5 a 10 m), de forma
circular. O óvni tinha cauda multicolorida, não fazia ruído e emitiu um
foco de luz azulado, segundo um morador do município de Vigia, no Pará,
que o teria avistado em 16 de outubro de 1977
O RUÍDO DO ÓVNI
O objeto de cerca de 1,40 m teria
aparecido em Santo Antônio do Tauá, no Pará, em setembro de 1977, às
22h. A pessoa que o teria avistado o descreve como tendo a forma de um
prato invertido com um vértice acentuado vermelho na parte inferior. Diz
ainda que ele acelerou até atingir uma grande velocidade e produzia um
ruído sibilante
UFO PERFORMÁTICO
Com movimento ondulante, paradas e
voltas rápidas em torno de um eixo, este óvni de forma ligeiramente
cônica teria feito evoluções sobre a parte nordeste de Colares, no Pará,
em 1977. A testemunha, que relatou ter observado o fenômeno às 18h30,
teve a nítida impressão de o objeto ser de cor metálica
MÉTODO Além de relatórios (acima), o Sioani submetia a testemunha de um óvni a exames psicológicos
Hoje na reserva, o brigadeiro de 67 anos
foi considerado por muitos anos o guardião da chave do cofre de
segredos ufológicos brasileiros. Foi ele quem ordenou o recolhimento de
todo material sigiloso produzido sobre o tema espalhado em bases aéreas e
aeroportos do Brasil. A papelada foi levada para o Comando de Defesa
Aeroespacial (Comdabra), em Brasília, onde ele exercia a função de
comandante- geral, no início da década. Mas somente no ano passado os
documentos começaram a chegar ao arquivo nacional.
Revirar os porões das Forças Armadas e
revelar os segredos ufológicos é uma tendência verificada em outros
países (leia quadro). "Com essa abertura, a Aeronáutica reconhece a
necessidade de tratar o fenômeno UFO de maneira séria, deixando de lado o
tom pejorativo e irreverente que quase sempre aparece quando se levanta
a plausível hipótese de estarmos recebendo a visita de seres
extraterrestres", diz Ademar José Gevaerd, 47 anos, coordenador da
Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), que elaborou uma campanha em prol
da liberdade de informações sobre UFOs.
Hoje, a pessoa que quiser relatar a
aparição de um óvni dificilmente encontrará eco na FAB. "A Aeronáutica
não dispõe de estrutura especializada para realizar investigações
científicas", informou a FAB à ISTOÉ. Porém, durante o
funcionamento do Sioani, no IV Comar, toda testemunha era submetida a
exames nos quais se avaliavam a presença de psicopatologia, o desvio de
personalidade ou a tendência à mitomania. O Sioani procurava
saber, ainda, a condição psicofísica da pessoa no momento da observação
(em jejum, alimentado, com teor alcoólico, cansado, trabalhando ou
distraído), se ela vivia tensões familiares ou políticas e qual religião
seguia. O local da aparição do oani (objeto aéreo não identificado,
como o óvni era chamado à época) também era esmiuçado: tipo de
vegetação, umidade e temperatura aparecem citados nos relatórios.
ILUSTRAÇÃO FERNANDO BRUM SOBRE FOTO DE FREDERIC JEAN
"Admitir a 'possibilidade' de existência
do oani é atitude científica... penetrar no âmago do fenômeno,
investigando- o sob os aspectos psiquiátricos, psicológicos,
sociológicos, astronômicos, meteorológicos, jurídicos, etc, constitui
uma necessidade. Eis a posição em que se coloca o Ministério da
Aeronáutica", diz um dos dois boletins produzidos pelo Sioani, que
encerrou suas atividades supostamente porque pesquisar discos voadores
não interessava mais aos militares, em meio à repressão no País.
Para os ufólogos, seria fundamental a
liberação das filmagens feitas na selva amazônica para um estudo mais
apurado dos fenômenos. No momento, nenhuma das 16 horas de filmagens
feitas em super-16 mm estão disponíveis para consulta. Poucas pessoas
fora do ambiente militar tiveram acesso a esse material. Pedagoga
aposentada, em Belém, Nahima Lopes de Oliveira Gonçalves assistiu às
gravações. Ela é filha do brigadeiro Protásio Lopes de Oliveira, que era
comandante do I Comar, em 1977. "Papai chegava com os rolos de filmes e
ia direto para a biblioteca", conta ela, hoje, com 60 anos. "Um dia,
ele deixou a gente assisti-los. Dava para ver luzes se deslocando em
todos os sentidos", completa, dizendo que seu pai, morto há seis anos,
sempre acreditou em óvnis.
Astrônomo do Laboratório Nacional de
Astrofísica, de Itajubá (MG), Carlos Alberto Torres afirma não fazer o
menor sentido a iluminação em discos voadores. "Avião tem luzes para
sinalizar para os outros", diz. Para o professor de astrofísica João
Steiner, da Universidade de São Paulo (USP), as histórias de
avistamentos de óvnis não passam de ocorrências naturais para as quais a
ciência ainda não tem explicação. O brigadeiro Pereira endossa o
ceticismo: "Os fenômenos ocorrem, são investigados, tiram-se
fotos e 98% dos casos a ciência explica. Agora, para os 2%, eu pergunto:
cadê o ET, o pedaço da nave capturada?"
Parentes e amigos do capitão Uyrangê,
que esteve à frente da Operação Prato, contam que ele teve até um
contato imediato de terceiro grau na margem do rio Guajará-Mirim, no
Pará, em dezembro de 1977. Ele e mais um oficial, também já morto,
teriam avistado uma nave de 100 m de comprimento, no formato de uma bola
de futebol americano, pousar em pé na outra margem do rio. A cerca de
70 m do local, os militares teriam visto uma porta se abrir no alto do
objeto e um ET descer e flutuar sobre as águas. Após ouvir o relato
dessa experiência, o comandante Protásio teria ordenado o fim da
Operação Prato. Nem o contato imediato e nem o epílogo da missão constam
do acervo liberado pelo Arquivo Nacional. Se vierem a público, Roswell
deverá ficar a anos-luz das nossas histórias de UFOs.
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